EDITORIAL: DAJ aponta equívoco em notícia do portal IG sobre lei que regulamenta greve no serviço público atualmente

Diante da, no mínimo, equivocada notícia publicada na semana passada (05/05/2022) no portal IG intitulada Governo publica medida que não desconta salário de servidor em greve” (CLIQUE AQUI), o diretor de Assuntos Jurídicos do Sindireceita, Thales Freitas, vem, por meio do presente editorial, esclarecer aos leitores os “equívocos” contidos na mencionada notícia.

É que, o Supremo Tribunal Federal (STF) fixou, em sede de Repercussão Geral (Tema 531), a seguinte tese:

“A administração pública deve proceder ao desconto dos dias de paralisação decorrentes do exercício do direito de greve pelos servidores públicos, em virtude da suspensão do vínculo funcional que dela decorre, permitida a compensação em caso de acordo. O desconto será, contudo, incabível se ficar demonstrado que a greve foi provocada por conduta ilícita do Poder Público. RE 693.456.(RE nº 693.456/RJ – Rel. Min. Dias Toffoli – Dje 27/10/2016)

Em obediência ao entendimento jurisprudencial consolidado perante a Corte Maior no Tema nº 531 de Repercussão Geral, a Secretaria de Gestão e Desempenho de Pessoal do Ministério da Economia (SGP/ME), por meio da Instrução Normativa SGP/SEDGG/ME nº 54, de 20 de maio de 2021, dispôs sobre os critérios e procedimentos gerais a serem observados pelos órgãos e entidades integrantes do Sistema de Pessoal Civil da Administração Federal (SIPEC), nas situações de paralisação decorrentes do exercício do direito de greve, para o desconto da remuneração correspondente aos dias de paralisação e para a elaboração do respectivo Termo de Acordo para compensação de horas não trabalhadas.

A Portaria ME nº 3.852, de 04 de maio de 2022, objeto da notícia publicada no portal IG, tão somente alterou a Portaria nº 406, de 08 de dezembro de 2020, acrescentando o inciso V no art. 24, delegando aos ocupantes dos cargos de natureza especial a competência para celebrar termo de acordo para compensação de horas não trabalhadas de servidores, decorrentes de paralisação por exercício do direito de greve.

A pergunta que não quer calar: por que o STF decidiu pela possibilidade de compensação das horas não trabalhas em virtude de greve mediante acordo celebrado com a administração?

A resposta a essa pergunta é que, exatamente em virtude da mora legislativa na edição de lei específica regulamentadora do inciso VII do art. 37 da Constituição Federal de 1988, que conferiu o direito de greve aos trabalhadores servidores públicos, o STF evoluiu seu entendimento determinando a aplicação da Lei nº 7.783/89 (que regula o direito de greve na iniciativa privada), enquanto perdurar a omissão legislativa.

E o que diz a Lei nº 7.783/89?

Dispõe o art. 7º da mencionada lei que, “a participação em greve suspende o contrato de trabalho, devendo as relações obrigacionais, durante o período, ser regidas pelo acordo”.

Conforme as definições da legislação trabalhista, o instituto da suspensão do contrato de trabalho, diferente do instituto da interrupção, reflete na ausência de remuneração.

Daí o porquê do STF ter decidido que a “... administração pública deve proceder ao desconto dos dias de paralisação decorrentes do exercício do direito de greve pelos servidores públicos, em virtude da suspensão do vínculo funcional que dela decorre...”.

Não obstante, na linha da Lei nº 7.783/89 (greve na iniciativa privada), a qual estabelece que as relações obrigacionais, durante o período de greve, deverão ser regidas pelo acordo, o STF também dispôs que no caso do servidor público, fica permitida a compensação dos dias descontados em virtude de paralisação, caso seja celebrado acordo.

Admitir o contrário, ou seja, tratamento diferenciado, seria o mesmo que admitir tratamento discriminatório ao trabalhador do serviço público!

 

EVOLUÇÃO NORMATIVA/JURISPRUDENCIAL

 

A Constituição Federal de 1988 conferiu o direto aos servidores públicos de realizarem greve -- o que era vedado no ordenamento jurídico anterior, diga-se: na constituição existente durante todo o período da Ditadura (Constituição de 1967, art 157, § 7º e 158, inciso XXI, 162)-- direito esse que nem sempre foi exercido com calmaria, posto ter sido alvo de diversas discussões perante a Suprema Corte (STF) que enfrentou este tema em diversos recursos extraordinários (RE) e mandados de injunção (MI), destacando-se e RE 693.456 e os MI 670/ES, 708/DF e 712/PA.

O Supremo Tribunal Federal ao julgar os citados Mandados de Injunção nºs 670/ES, 708/DF e 712/PA inicialmente firmou entendimento no sentido de que a Lei n. 7.783/89 que dispõe sobre o exercício do direito de greve dos trabalhadores em geral (iniciativa privada) seria ato normativo inaplicável aos servidores públicos, mas que caberia ao Poder Judiciário dar concreção ao inciso VII do art. 37 da Constituição do Brasil, suprindo omissões do Poder Legislativo.

Não obstante, diante permanência da omissão legislativa, o Supremo Tribunal Federal – STF, evoluiu seu entendimento decidindo nos citados Mandados de Injunção 670/ES, 708/DF e 712/PA, pela aplicação da Lei 7.783/89, enquanto perdurar a omissão legislativa.

Para que possamos ter dimensão do que significa uma tese firmada em repercussão geral, este instituto foi incluído por emenda constitucional e reserva ao STF o julgamento de temas encaminhados a essa Corte por meio de recursos extraordinários em que tenham sido demonstradas questões relevantes sob o aspecto econômico, político, social ou jurídico e que ultrapassem os interesses individuais e se mostrem existir interesses de uma coletividade para com a causa. Uma vez constatada a existência de uma repercussão geral, a Suprema Corte analisa e julga o caso e a decisão será aplicada pelas instâncias inferiores, em casos idênticos.

Não se pretende cunhar um texto técnico, mas por lealdade ao leitor é importante destacar que este instituto se difere da súmula vinculante, que por ordem constitucional determina a sua observância pela Administração Pública.

Voltando ao tema do acordo de compensação, verifica-se que a regra seria a celebração de acordo de compensação. Tem-se que possibilitar o acordo!

Nesse sentido, pela leitura da Portaria ME nº 3.852, de 04 de maio de 2022 (objeto da notícia do portal IG), verifica-se que o que houve foi tão somente a alteração da Portaria ME nº 406, de 08 de dezembro de 2020, que passou a prever a possibilidade de os secretários especiais procederem a “celebração de termos de acordo para a compensação de horas não trabalhadas de servidores, decorrentes da paralisação por exercício do direito de greve”, nada mais!

Embora a Administração Pública, como dito ao norte, não esteja vinculada à tese fixada pelo Supremo Tribunal Federal em sede de processos com repercussão geral reconhecida, a sua inobservância é contraproducente, gerado processos e atos a serem promovidos pelo Poder Executivo e Judiciário, caso algum interessado decida se socorrer ao judiciário para ver o cumprimento da tese fixada devidamente cumprida.

A não observância ao verbete fixado pelo Supremo Tribunal Federal consiste em verdadeiro ato atentatório à dignidade da Justiça.

Dessa forma, fácil concluirmos que, diferentemente do que sugere a notícia publicada no portal IG, a possibilidade de negociação entre os servidores, por meio de seu Sindicato, e a Administração para que se encontre o denominador comum é o meio que mais atenderá o Interesse Público, posto que o serviço será realizado e o servidor não sofrerá desconto em sua verba alimentar.

 

Editorial de autoria de Thales Freitas – DAJ/DEN