Sindireceita participa de Seminário Internacional sobre a Dívida Pública

Encerrou na quarta-feira, dia 13 de novembro, o seminário internacional O Sistema da Dívida na Conjuntura Nacional e Internacional, promovido pela Auditoria Cidadã da Dívida, com apoio do Sindireceita. O evento realizado no Auditório da Reitoria da Universidade de Brasília (UnB) realizou três painéis, em seu último dia, que trataram das ilegalidades verificadas na dívida pública brasileira, os impactos sociais do sistema da dívida e, por fim, uma palestra com o Embaixador do Equador Dr. Horácio Sevilla Borja, sobre o processo de auditoria da dívida equatoriana. O Analista-Tributário Felipe Martins representou o Sindireceita como relator da mesa que abordou os impactos sociais da dívida pública.


Sindireceita é relator da mesa “Impactos Sociais e Econômicos do Sistema da Dívida”


A palestra sobre os impactos sociais e econômicos do Sistema da Dívida era uma das mais esperadas no seminário. A mesa foi coordenada pela representante da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) Irmã Delci Maria Franzen e relatada pelo Analista-Tributário Felipe Martins, representante do Sindireceita. As explanações foram realizadas pelos professores da UnB Ivanete Boschetti, Carlos Lima e Daniel Bin. A convidada internacional deste painel foi a representante do sindicato ELA Janire Landaluze do País Basco.


O primeiro a falar foi o professor Carlos Lima. Fez uma reconstituição histórica do desenvolvimento do capitalismo, apresentando suas positividades e negatividades. Neste último ponto focou na teoria da Crise Completa, desenvolvida pelo economista Lauro Campos, já falecido, que também foi senador pelo Distrito Federal de 1994 a 2002. O capitalismo já havia vivido a crise dos seus Departamentos I, produtor de máquinas de produzir máquinas, e o II, produtor de meios de consumo. A partir da crise de 1929, para suprir a crise de superprodução ou da falta de demanda efetiva, o trabalho produtivo cede lugar ao trabalho improdutivo-destrutivo. “O estado torna-se consumidor de produtos bélicos e espaciais, passa a consumir em propaganda” exemplifica Lima. A dívida pública entra nesse contexto, que conforma o Departamento III. Com a crise deste terceiro departamento da economia chegava-se à crise completa, conceito que dá nome a uma das obras de Lauro Campos. E essa crise “como observamos, tem alto impacto na vida das pessoas” concluiu o professor Lima, referindo ainda que “de 2000 a 2009, a soma dos investimentos em educação, saúde e assistência social é muito menor do que o governo paga anualmente para a amortização da dívida.


A intervenção da professora de Serviço Social da UnB Ivanete Boschetti teve como tema a “Crise estrutural do capital e a dívida ilegítima, odiosa e ilegal”. Dissertou sobre características do sistema da dívida e de seu impacto na seguridade social. “Essa é uma dívida contraída em período ditatorial, sem anuência da sociedade, seu pagamento é uma tentativa de salvar o capital da crise estrutural que vive”. No caso brasileiro, a professor discute particularmente o mito do neodesenvolvimentismo. “O PIB brasileiro cresceu no período de 2001-2012, em média 3%, pouco mais dos 2,6% de média de crescimento registrado entre 1991-2000”. Segundo Ivanete “a utilização do fundo público para pagamento da dívida constitui uma verdadeira expropriação social”, agregando que os contingenciamentos realizados pelo governo federal em 2011, de R$ 50 bilhões, e em 2012, de R$ 55 bilhões, atingiram as áreas sociais e mantiveram intactos os recursos para pagar o custo da dívida. Apresentou ainda a informação de que através da Desvinculação das Receitas da União, a DRU, foram retirados R$ 339,5 bilhões da saúde, previdência e assistência social, entre 2005 e 2009, e escoados diretamente para o pagamento de juros da dívida”.


O professor de Ciência Política Daniel Bin criticou o que chama de “insulamento” da política em relação à economia. A segregação entre o político e o técnico serve para conferir legitimidade aos “especialistas”, que merecem autonomia e quase exclusividade nas principais decisões da política econômica do país. Mostrou o processo histórico dos principais conselhos decisórios da política econômica e seu gradual restringimento aos técnicos, sempre voltados à dinâmica do mercado. Para Bin, é necessário democratizar as decisões entre os demais setores do governo, não só à equipe econômica, com o poder legislativo, e, principalmente, com a sociedade. O professor concluiu referindo-se ao primeiro dos cinco pactos propostos por Dilma durante as passeatas de junho. “Estive em quatro passeatas de rua e não vi em nenhum dos cartazes o pedido por “responsabilidade fiscal”, o primeiro pacto apresentado pela presidente Dilma. Nenhum cidadão clamou por isso, mas foi a primeira pauta” questionou. Para o professor, isso tem a ver com a posição de conservar os fundamentos da economia nas mãos de poucos.


Janire Landaluze, do sindicato ELA do País Basco, trouxe dados alarmantes do alto impacto na vida do povo espanhol, por conta dos planos de austeridade impostos pela Troika (união entre o Fundo Monetário Internacional, o Banco Central Europeu e a União Europeia), aceitas pelos governos espanhóis desde 2008. Em fevereiro de 2011 realizou uma reforma da previdência, que tornou mais difícil a aposentadoria e mais precário o valor das pensões, tornando-se muito parecido com o sistema previdenciário brasileiro, aprovado em 2003, “Passou-se a exigir idade miníma de 67 anos, quando antes era de 65. Para se ter aposentadoria integral necessita-se trabalhar agora 35 anos”. Exatamente um ano depois, em fevereiro de 2012, uma reforma trabalhista foi levada a cabo flexibilizando os contratos e diminuindo a indenização por demissão sem justa causa, sob a justificativa de se baratear a contratação de trabalhadores e enfrentar o desemprego. Segundo Janire, o efeito foi justamente o contrário, retiraram direitos históricos dos trabalhadores e o desemprego atingiu níveis estratosféricos. “Em 2008, no início da crise, 6,1% dos espanhóis estavam sem emprego. Em 2013, esse índice chega a 16,5%. Bem acima da média da União Europeia que é de 11%”. Um dos impactos mais sentidos da crise da dívida na Espanha são os despejos das famílias que não conseguem pagar seus imóveis, sejam os financiamentos ou os aluguéis. “Houve um aumento considerável nos moradores de rua e nas famílias que se juntaram para não ter que morarem na rua. O colchão dos parentes virou o destino de muitas pessoas” relatou. Ainda apresentou uma tabela que mostra que a crise da dívida e as soluções apresentadas foram ineficazes para o povo e muito rentável para os bancos. “De 2009 a 2014 (projeto de orçamento) a saúde perdeu 5,1% e educação 4,4%. Ao mesmo tempo que os gastos com a dívida aumentaram 256%”. A sindicalista espanhola afirmou que mesmo diante de uma situação muito difícil ela deixaria uma mensagem positiva. “Temos que insistir na conscientização, na grande força do povo e na mobilização popular como chave para sairmos desta situação. Estamos vivos e lutar vale a pena”, conclamou Janire.


O estudante de Economia da UnB Heitor Claro apresentou o impacto dos cortes orçamentários na educação brasileira e na insuficiência das políticas de permanência dos estudantes universitários.


Segunda Matéria do Seminário Internacional da Dívida Felipe Martins


 O Analista-Tributário Felipe Martins durante sua participação como relator da mesa que abordou os impactos sociais da dívida pública


O Analista-Tributário Felipe Martins definiu o encontro como um “sucesso” e que “não podemos mais aceitar que 44% do orçamento público federal seja destinado ao pagamento da dívida pública, enquanto apenas 4% é destinado à saúde e 3,5% para a educação. Essa questão da dívida nos remete a uma questão fundamental: que Estado queremos?”. Para Martins, o tema deve ser parte cada vez mais presente da agenda de debate e mobilização dos Analistas-Tributários. “Os Analistas-Tributários, como servidores da Receita Federal, são responsáveis pela arrecadação de boa parte da receita pública, que é a receita tributária. Como vimos, estes recursos que arrecadamos são muito mal aplicados. E com uma melhor utilização destes recursos, a arrecadação se torna mais legítima e democrática. É importantíssimo que servidores públicos, que fazem parte da máquina do Estado, tomem conhecimento das injustiças praticadas pelo próprio Estado e se tornem críticos, para mobilizar a sociedade e pressionar o governo por melhorias”.


Auditoria da Dívida permitiu anular 70% da dívida equatoriana por ilegalidades


Segunda Matéria do Seminário Internacional da Dívida Embaixador Equador



O Embaixador do Equador Dr. Horácio Sevilla Borja



A palestra magna com o Embaixador do Equador Dr. Horácio Sevilla Borja foi o ponto alto do seminário, pelo fato do país ter tomado a “decisão soberana de auditar e unilateralmente decretar moratória à dívida”. O trabalho de auditoria da dívida do Equador detectou fraudes e irregularidades, especialmente nos chamados “Bônus Globais 2012-2030”, tendo sido 90% dos seus títulos retirados do mercado. O trabalho da auditoria embasou, inclusive na perspectiva jurídica, a anulação de 70% da dívida equatoriana. A dívida que consumiu 24% do orçamento no ano de 2008, agora consome apenas 4%. A relação dívida pública/PIB que era de 100% antes da auditoria, agora é de tão somente 24% uma das menores do mundo. Segundo Borja a auditoria está permitindo ao país “mudar sua matriz energética de combustíveis fósseis para energia limpa” e “transformar a matriz econômica de exportação de produtos primários para bens de transformação industrial”. Os índices sociais avançaram significativamente a partir da inversão da relação entre investimentos sociais e gastos com a dívida. Desde 2008 o Equador consegue investir quase o triplo em demandas sociais do que com a dívida pública. A palestra foi aclamada diversas vezes com salvas de palmas pela plateia e deu sentido prático sobre os diversos temas debatidos durante o seminário.


Após o embaixador, a equatoriana Myrian Ayala, que integrou a equipe de auditoria no Equador, apresentou a metodologia do trabalho realizado em seu país e definiu a auditoria da dívida como “ótima ferramenta de luta social” já que torna público uma série de informações ocultas sobre os contratos da dívida.


Margarida Lopes Araujo, Presidente da ANFIP, e o representante da Associação dos Pós-Graduandos da UnB João Gabriel também compuseram, junto à Coordenadora da Auditoria Cidadã da Dívida Maria Lucia Fattorelli, a mesa da palestra magna.