Balanço Aduaneiro 2014 - O faz de conta da Aduana brasileira

No último dia 13, a Receita Federal do Brasil (RFB) divulgou o balanço das atividades aduaneiras no ano de 2014 e mesmo com a invasão de produtos contrabandeados nas cidades do País a administração do órgão tentou dar um caráter positivo a apresentação.

Ao atender à imprensa, o subsecretário da Subsecretaria de Aduana e Relações Internacionais (Suari), Ernani Checcucci, apresentou o Balanço Aduaneiro de 2014 e se esforçou para enaltecer a capacidade de fiscalização e controle aduaneiro da Receita Federal, “competência” essa que colide com a realidade enfrentada pela população todos os dias nas cidades brasileiras.

Para analisar os resultados apresentados pela administração da Receita Federal é preciso comparar os fatos com as atribuições da Aduana, conforme a descrição disponível no site do próprio órgão:

O exercício da administração aduaneira compreende a fiscalização e o controle sobre o comércio exterior, essenciais à defesa dos interesses fazendários nacionais, em todo o território aduaneiro (Constituição Federal, art. 237).
O controle aduaneiro promovido pela Secretaria da Receita Federal do Brasil não tem caráter arrecadatório. Nesse controle, o bem tutelado pelo Estado não é o tributo, mas a segurança da sociedade. A fiscalização aduaneira verifica, por exemplo, se a mercadoria recebeu as devidas anuências, oferecendo, portanto, condições de sanidade e segurança para o uso do consumidor.
De semelhante forma, são verificados a observação das normas pelos importadores e exportadores e os recolhimentos devidos, o que redunda, dentre outras consequências, na redução da competição desleal e, quando for o caso, na proteção às empresas nacionais. Um instrumento chave para a execução desse controle é o DESPACHO ADUANEIRO, sendo objeto deste manual o despacho de importação.

A partir desse esclarecimento é possível avaliar melhor os resultados que foram apresentados pelo subsecretário, que iniciou a coletiva destacando avanços no grau de fluidez nos Despachos aduaneiros de Importação e Exportação. Segundo o subsecretário o grau de fluidez, que é o percentual de despachos desembaraçados em menos de um dia, apresentou melhoras substanciais nos últimos anos devido ao aperfeiçoamento do modelo de Gestão de Risco adotado pela Receita Federal. Em 2011, o grau de fluidez era de 80,57% e no ano de 2014 alcançou 83,13%, um acréscimo de 3,2%.

O grau de fluidez, reforçou o subsecretário, é de extrema importância para os intervenientes que atuam no comércio exterior, pois demonstra a agilidade da Receita Federal no despacho aduaneiro. Mas é preciso avançar na análise desse resultado e mostrar que a realidade dos fatos não guarda relação com a imagem de eficiência propalada pela administração da Receita Federal.

O total de Declarações de Importações parametrizadas para o Canal Verde cresce ano a ano. Na última década o percentual cresceu quase 31%, atingindo patamar próximo de 90% de declarações que são liberadas automaticamente pelos sistemas de importação e exportação da Receita Federal.

A elevação do chamado Canal Verde é uma necessidade para a modernização da Aduana, conforme preconiza a Organização Mundial das Aduanas (OMA), e tem o objetivo de facilitar o fluxo do comércio internacional, sem prejuízo ao controle. Para tanto, a Gestão de Risco passou a ser a resposta para controlar e fiscalizar a grande quantidade de cargas, pessoas e veículos que entram e saem do território nacional pelos portos, aeroportos e postos de fronteiras sem comprometer a agilidade exigida pelo mundo globalizado.

Facilitação e controle são atualmente as palavras chaves para as aduanas do mundo. Mas, apesar da Receita Federal utilizar novos sistemas informatizados de controle, equipamentos de inspeção não-invasiva e de monitoramento a distância, que permitem uma identificação sistemática de diversos riscos aduaneiros, a falta de efetivo adequado de Analistas-Tributários e Auditores-Fiscais compromete e fragiliza a Gestão de Risco, afetando os resultados de todo esse sistema.

A Receita Federal tem hoje 18.693 servidores da Carreira Auditoria, 10.769 Auditores-Fiscais, 7.924 Analistas-Tributários. No entanto, desse total, apenas 2.924 estão lotados na chamada Administração Aduaneira, ou seja, apenas 15,6% da força de trabalho da Receita Federal atua na Aduana. São somente, 1.826 Auditores-Fiscais e 1.098 Analistas-Tributários trabalhando no controle de entrada e saída de pessoas, veículos e mercadorias no País.

O Relatório Aduaneiro de 2014 informa que foram processadas 2,49 milhões de Declarações de Importação e 1,20 milhão de Declarações de Exportação, atingindo um total de 3,69 milhões de Declarações, das quais 3,3 milhões foram parametrizadas para o canal verde. São milhões de toneladas de produtos e mercadorias entrando e saindo do País sem uma atuação direta da fiscalização.

Quantidade de DI e DDE desembaraçadas

 

2011

2012

2013

2014

DI

2.450.252

2.419.000

2.547.776

2.487.874

DDE

1.278.411

1.248.022

1.225.887

1.202.613

Total

3.728.663

3.667.022

3.773.663

3.690.487

 

Percentuais dos Canais para DI

 

2011

2012

2013

2014

Verde

88%

88%

88,79%

88,98%

Amarelo*

8% a 6%

8% a 6%

7,21% a 6,21%

7,02% a 6,02%

Vermelho*

3% a 4%

3% a 4%

3% a 4%

3% a 4%

Cinza*

1%

1%

1%

1%

*Valores aproximados

 

Grau de fluidez

 

2011

2012

2013

2014

Grau de fluidez na importação

80,57%

81,16%

82,77%

83,13%

 

Observando que essas milhões de toneladas correspondem as mercadorias e produtos que transitam por portos e aeroportos, sendo declarados nos sistemas da Receita Federal para se sujeitarem aos procedimentos do despacho aduaneiro e dos controles estabelecidos pela “Gestão de Risco”. Contudo, não se pode esquecer dos 16,8 mil quilômetros de fronteira seca e dos 7.367 quilômetros de costa marítima, fronteiras que também necessitam da presença da Receita Federal.

Então como equacionar a utilização de mão de obra escassa (2.924 servidores) para atuar no despacho aduaneiro, mantendo um alto padrão de fluidez estabelecido pela OMA? Como elaborar e executar ações de Gestão de Risco e realizar operações de vigilância e repressão numa extensão de mais de 24 mil quilômetros de fronteiras?

A Aduana brasileira vem buscando alcançar os parâmetros de controle e fiscalização aduaneira das grandes potências econômicas. Com louvor vem modernizando vários setores do órgão e simplificando alguns procedimentos para dar mais agilidade no fluxo do comércio exterior, mas ignorou a necessidade de fortalecer o seu quadro de servidores.

Apenas para atuar na Aduana, os Estados Unidos da América possuem 20.000 servidores[1], a China possui 50.000[2] servidores aduaneiros (dado de 2009), a Alemanha 40.000[3].  Portanto, não basta apenas investir na modernização da aduana sem que se estabeleça uma política de governo para resolver os problemas da Carreira Auditoria da Receita Federal, relacionados às atribuições, ao quantitativo e a remuneração.

Ao falar do combate a ilícitos ao longo do ano de 2014, o subsecretario Ernani Checcucci, destacou a realização de 3.110 operações de vigilância e repressão ao contrabando e descaminho. “Houve um acréscimo significativo nos valores das mercadorias apreendidas e também nas multas” declarou.

As apreensões atingiram um montante de R$ 1,80 bilhão, valor acima do alcançado no ano de 2013 que foi de R$ 1,68 bilhão.

 

 

2011

2012

2013

2014

Total das apreensões

1.478.710.956,25

2.025.305.399,29

1.681.697.286,98

1.801.185.429,57

Nº de operações

2.412

2.680

2.999

3.110

Nota-se que o número de operações aumentou, mas o valor das apreensões se manteve praticamente o mesmo. Neste ponto também cabe destacar a relação entre o número de operações e o valor total das apreensões de cigarros.

 

 

2011

2012

2013

2014

Maços

165.088.938

161.522.121

180.548.988

182.052.238

Valor total

114.534.812,71

134.450.384,70

331.529.660,83

515.319.232,73

Valor do maço

0,69

0,83

1,84

2,83

Percentual em relação ao total das apreensões

7,74%

6,64%

19,71%

28,61%

No ano de 2011 o valor do maço de cigarro utilizado como referência pela Receita Federal era de R$ 0,69. Em 2014, o valor do maço atingiu R$ 2,83, um acréscimo de 310% em 4 anos. Observando mais atentamente, em 2011 o valor dos cigarros apreendidos representava 7,74% do total das apreensões. Já no ano passado, esse percentual passou a ser de 28,61%.

Cabe a administração da Receita Federal explicar de forma mais transparente se está utilizando o item “cigarro” para produzir resultados mais positivos para as suas apreensões ou se as variações observadas nos relatórios aduaneiros dos últimos 4 anos são normais.

Ainda em relação ao item “cigarro” a Polícia Rodoviária Federal em seu balanço de 2014[4] apresentou como parte do resultado de suas apreensões o quantitativo de 4.475.607 pacotes de cigarros, o que faz surgir uma dúvida sobre se esse total está incluído no montante apresentado pela Receita Federal.

A mesma Polícia Rodoviária Federal ainda informa que ocorreram apreensões de produtos de informática, eletrônicos e medicamentos:

 

Apreensões da PRF - Contrabando

2014

Informática (unidades)

210.720

Eletrônicos (unidades)

121.927

Medicamentos (unidades)

763.948

A dúvida em relação aos cigarros se mantém em relação aos outros bens apreendidos pela Polícia Rodoviária Federal, pois por se tratarem de contrabando esses produtos são entregues para a Receita Federal, com a finalidade de dar prosseguimento aos trâmites legais da apreensão, que é de responsabilidade da Aduana.

 

Percebe-se então que estão incluídos, salvo melhor juízo, nos resultados finais das apreensões divulgados pela Receita Federal, produtos apreendidos por outro órgão federal, no caso a Polícia Rodoviária Federal. Sem contar com outras apreensões de contrabandos realizadas pelo Exército, nas inúmeras operações de controle de fronteira (Operações Agatha), e pelas polícias civis e militares em ações de combate ao contrabando e descaminho nas cidades brasileiras.

 

O subsecretário poderia dar assim mais transparência nessas questões, aproveitando para esclarecer que as equipes de Vigilância e Repressão atuam de maneira precária, com dificuldades em relação ao quantitativo de servidores, indefinição do porte de arma, equipamentos de proteção reduzidos, falta de verbas para deslocamentos e diárias, limitações promovidas pela administração na atuação dos Analistas-Tributários e outros problemas que prejudicam as ações repressivas e de vigilância.

 

O administrador deveria esclarecer também como, mesmo apresentando um resultado aduaneiro "positivo", as fronteiras do País estão abandonadas e as cidades estão repletas de produtos falsificados e piratas? Como o crime organizado possui armamentos de guerra e os jovens tem acesso fácil a todo tipo de droga? Como tantos produtos ilegais entram em nosso país? Por onde? De que forma? 

 

Nos últimos anos, sem dúvida, houve um processo de modernização da Aduana brasileira. Tempos de despachos foram reduzidos, novos sistemas de controle foram implementados, e passou-se a utilizar equipamentos mais modernos. Estão sendo ampliadas ações de Gestão de Risco, programas como o Operador Econômico Autorizado estão em implantação e há uma maior integração com o setor privado. Elementos que compõem um modelo de Aduana do Século 21, conforme os direcionamentos estabelecidos pela Organização Mundial da Aduanas.

 

A administração da Receita Federal só não pode esquecer que uma Aduana só se faz forte e moderna com a participação de seus servidores, principalmente, dos Analistas-Tributários. Reconhecer a importância desses servidores para a fiscalização e controle aduaneiro é parte necessária para que a Aduana brasileira ingresse definitivamente no Século 21.

 

[1] Fonte: Sitio da U.S. Customs and Border Protection . Acessado no dia 18/02/2015, às 23h36.

[2] Fonte: Sitio da GACC – General Administration of Customs People’s Republico of China. Acessado no dia 18/02/2015, às 22h20h

[3] Fonte: Sitio da Federal Ministry of Finance . Acessado no dia 18/02/2015, às 23h43.

[4] Fonte: Sitio da PRF na Internet. Acessado no dia 18/02/2015, às 23:30.