Até os externos não suportam mais a Receita!

Até os externos não suportam mais a Receita!

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Inspirados e incentivados pelas reflexões de dois grandes pensadores brasileiros, Frei Betto e Paulo Freire, e pelas lições de duas referências internacionais, os participantes da última reunião do Ceds-PR (Conselho Estadual de Delegacias Sindicais do Paraná) do Sindireceita deliberam por este chamamento para que os Analistas-Tributários da Receita Federal e a sociedade não aceitem mais, de forma alguma, o patrimonialismo sórdido e deletério que, lamentavelmente, domina a Receita Federal!

Definitivamente, com os últimos episódios em relação à MP 660 e a outros acontecimentos em paralelo, as máscaras caíram. Desesperados, os patrimonialistas até apelaram para a difamação e a calunia gratuitas. E, a administração da Receita Federal, que sempre agiu de forma velada, desta vez, nem disfarçou, possuída pelo discurso dos seus pares sindicalistas, expeliu uma “perola”, produziu um “edito” (atestado) formal da cultura fiscalista do órgão, a dita coisa da “nota Cosit nº 94”, que contém um discurso ilusionista, pois tenta apresentar argumentos sob uma contestável aparência jurídica e recheada com inverdades e devaneios, além de tentar até colocar eles (patrimonialistas) na condição de vítimas.

Chama a atenção que essa “nota” odiosa e ardilosa foi elaborada por um recém chegado na Receita Federal, ou seja, ele é egresso do último concurso (tem poucos dias de casa), mas que, por um passe de magia, já incorporou com muita naturalidade as aulas de discriminação/segregação pregadas, anos a fio, pelos seus colegas de classe.

Nessa nota, que é desprovida da necessária isenção institucional, o seu autor, apesar de valer-se de argumentos (rasos e irracionais) com aparência jurídica, na verdade, tenta depreciar os Analistas-Tributários, chega até a usar e abusar de termos pejorativos, como “servidores sem preparo” entre outras expressões absurdas. Preparo profissional era o que o subscritor dessa desrespeitosa nota deveria ter, mas, como ter, se acabou de chegar? Aproveitando a deixa, há que se ressaltar que essa situação de ingresso prematuro nas unidades centrais da Receita Federal não é um caso isolado. Muitos que ingressaram nesta mesma condição assessoram, elaboram e tentam interpretar a legislação tributária, e até definem as ações estruturais do órgão. Não é sem motivos que os contribuintes e contadores reclamam das confusas legislações e normativos produzidos de forma atabalhoada pela Receita Federal. E, entre outras críticas realistas, a Revista Forbes já tratou disso na reportagem “Tributos que matam”.

A lição de Frei Betto, no seu artigo “Discriminação mata”, é precisa: “A ambiguidade moral permite a certas pessoas adotarem um moral de intenção desvinculada da prática moral. Alguém é tido como “bom” e “justo” não por viver de fato descomprometido com a injustiça, mas sim por revelar, na polidez de suas palavras, estar dotado de “boas intenções”. Essa moral alimenta a flagrante contradição entre a esfera subjetiva e objetiva. Uma coisa é aquilo que a pessoa pensa, outra, aquilo que faz. O que ela diz não corresponde objetivamente ao modo como vive”.

Tudo é privativo para os patrimonialistas da Receita Federal, até mesmo atribuições menos complexas ou relacionadas a atividades banais. Será que isso tem a haver com a forma de seleção para ingresso deles na Receita Federal, que, inclusive, já foi denunciado pelo Sindireceita no Boletim Especial nº 13, de 2006 – “O Faz de Conta na Receita Federal”? Cabendo ressaltar que, hoje, mais de 90% deles não atuam em atividades externas de fiscalização.

O ex-coordenador de fiscalização do Banco Central, Américo Parada Filho, já emitiu o seu parecer sobre isso no site Cosif (www.cosif.com.br), onde comenta que os desvios de recursos humanos na Receita Federal ocorrem a partir de problemas sérios na contratação desses servidores, asseverando até mesmo que deveria haver responsabilização por prevaricação.

No congresso dos patrimonialistas ocorrido no ano passado, algumas teses deles já começam a demonstrar o quanto eles mesmos são prejudicados com as suas próprias políticas, vejamos o trecho de uma delas: “A maioria... não desempenha, nunca desempenhou e nunca irá desempenhar a atividade principal da carreira, que é realizar a ação fiscal... É preciso que o ... (detentor do cargo) pare de se esconder em áreas não tão significativas”.

Agora, está aí, para quem quiser ver um dos perversos resultados dessa nefasta política intramuros da Receita Federal (o que, até então, era falado “a bocas pequenas”), o apurado pela operação Zelotes, que escancara uma estimativa inicial de um rombo de R$ 19 bilhões para o erário, ou seja para os bons contribuintes que sustentam o Estado, ou seja, para todos os cidadãos que ainda cumprem os seus deveres.

Antes, ao encontro de tudo isso, já era sabido que o contencioso tributário brasileiro é um vexame mundial. São 456 bilhões, ou seja 11% do nosso PIB, quando, a média internacional é de 2%. Nesse escore, pais algum aproxima-se da nossa vergonhosa marca.

Eles, patrimonialistas, são os únicos servidores fazendários a deterem acentos oficiais no Carf. Afinal, tudo que envolve a administração tributária federal faz parte da neura do privativo pregada por eles. Nem mesmo os procuradores da Fazenda Nacional, que já intentaram por várias vezes, conseguem compartilhar atribuições do julgamento administrativo em segunda instância. E aí resta a pergunta: porque tamanha resistência?

Enquanto isso, a sonegação corre a solta, já chegamos a 10% do PIB, são mais de R$ 415 bilhões de tributos não fiscalizados. Ao encontro disso, do total arrecadado, é o resultado pífio da atuação externa do órgão, pois menos de 0,5% decorrem do esforço de campo da sua fiscalização.

Nessa mesma toada humilhante, há ainda um estudo sobre as maiores evasões fiscais do planeta em relação aos PIB dos países pesquisados, realizado pela Tax Justice Network a partir de dados do Banco Mundial, que credita (debita) ao Brasil o segundo lugar. O primeiro lugar, a Rússia, tem uma evasão fiscal correspondente ao 14,2% do seu PIB e o Brasil, tecnicamente empatado com o líder, amarga uma evasão de 13,4% do nosso PIB. Essa vergonhosa posição, entre outras críticas especializadas, mereceu um artigo que retrata bem a realidade de inércia da Receita Federal, que foi assinado pelo jornalista e analista político Miguel do Rosário: “Pesquisa mostra que o Leão brasileiro é banguela – A carne que escapa à mordida”.

Quais as razões para tudo isso? O professor Eurico de Santi, coordenador do Núcleo de Estudos Fiscais da FGV-SP e autor do recentíssimo e laureado livro “Kafka, alienação e deformidades da legalidade”, conclui: “Fisco e contribuintes estão alienados na névoa do sistema... O fenômeno desse maniqueísmo fisco versus contribuinte provoca uma espécie de “jogo de gato e rato” em que estratégia e esperteza passam a se tornar valores superiores e que se sobrepõem à legalidade... Só o espanto de Kafka pode mostrar essa manipulação de servidores de Estado que no lugar de servir ao contribuinte, guiando-o para orientá-lo na correta interpretação da lei tributária para o pagamento dos tributos, trabalha em sentido contrário induzindo e fomentando a bilionária “Indústria do Contencioso Tributário Nacional”.

Ninguém mais suporta essa situação! O presidente do Sindicato dos Contabilistas de Curitiba, em artigo recente e bastante crítico (“O Brasil virou palco de corrupção e de falcatrua”), mas muito consciente, registra: “A falcatrua da vez envolve o Carf... A investigação indica que membros do Carf davam um jeitinho para favorecer empresas multadas pela Receita Federal... Ninguém aguenta mais a situação em que o nosso país se encontra... O Brasil precisa mudar. Temos que investir nossas forças para educar nossos jovens e crianças a respeito da importância das palavras ética e moral”.

Infelizmente, ainda tem mais, no âmbito aduaneiro, a atuação da Receita Federal não é diferente, é por demais temerária. As suas ações nas áreas alfandegarias, orientadas também pelos patrimonialistas do órgão, lamentavelmente, não são suficientes para prevenir e combater satisfatoriamente práticas ilícitas como o contrabando, o descaminho, o subfaturamento, a interposição fraudulenta de terceiros e a pirataria. Isso, de alguma forma, já foi percebido pelo setor produtivo, tanto que a nossa indústria, mesmo antes da atual crise econômica, já vinha retrocedendo e, agora, está em uma situação alarmante, com consequências perversas para negócios dos empresários e para as ocupações dos trabalhadores brasileiros em geral.

Para agravar, os efeitos deste precário controle aduaneiro também deságuam nos recorrentes problemas de segurança dos muitos centros urbanos, na verdade, do país por inteiro, pois, não raro, muitas dessas atividades ilícitas são irmãs siamesas do crime organizado, chegando até a financiar diretamente este. Isso tudo é denunciado em detalhes no documentário do Sindireceita “Fronteiras Abertas”. Afinal, fuzis, metralhadoras e pistolas de calibre de uso restrito, infelizmente, tão corriqueiros nos noticiários policiais, não são oficialmente comercializados no país, da mesma forma, drogas de alto poder destrutivo não são produzidas aqui, mas entram com facilidades pelas nossas fronteiras, portos e aeroportos que estão desguarnecidos. E, não se pode esquecer que a Receita Federal detém a precedência constitucional para atuar na área aduaneira, como acontece em muitos outros países referências, cabendo aos órgãos de segurança, como a PF e a PRF, a condição de forças auxiliares. No entanto, tudo isso fica seriamente prejudicado, pois há uma fragrante e irresponsável omissão da Receita Federal nas suas ações.

Nós, Analistas-Tributários, queremos trabalhar com dignidade, com profissionalismo, e queremos que a Receita Federal seja um órgão qualificado e respeitado!

Queremos o resgate das atribuições que já exercemos. Queremos o reconhecimento legal do que fizemos e fazemos de fato! Queremos contribuir para que a Receita Federal possa cumprir a sua nobre missão. Nós queremos que ela seja respeitada como um órgão de excelência e admirada de verdade!

Basta de discriminação! Basta de falta de profissionalismo na gestão da Receita Federal! Não é mais possível conviver com essa situação! Isso faz mal para os cidadãos brasileiros e para a Receita Federal como um todo, até mesmo, para aqueles que, hoje, dominam o órgão com irresponsabilidades! Esses últimos também pagam o preço, ainda que de forma inconsciente. Por favor, patrimonialistas, simpatizantes e indiferentes, se não conseguem ver a situação melancólica em que se encontra a Receita Federal, ao menos, sejam pragmáticos, vejam o quanto vocês perdem em remuneração para a maioria dos fiscos estaduais. Nesse ranking (fiscos federal e estadual), a Carreira de Auditoria da Receita Federal amarga o 25º lugar!

É por demais absurdo o que a cultura fiscalista e a política patrimonialista (perpetrada pelo privativo desvairado), que resultam em discriminação sem precedente no serviço público, podem fazer com um órgão estratégico e com a própria sociedade!   

Sábias são as inúmeras lições do grande mestre Paulo Freire, em especial neste momento, a mais lembrada: “sou professor a favor da luta constante contra qualquer forma de discriminação”.

No livro “Pedagogia do oprimido”, Freire ministra: “O respeito à autonomia e à dignidade de cada um é um imperativo ético e não um favor que podemos ou não conceder uns aos outros... É nesse sentido também que a dialogicidade verdadeira, em que os sujeitos dialógicos aprendem e crescem na diferença, sobretudo, no respeito a ela, é a forma de estar sendo correntemente exigida por seres que, inacabados, assumindo-se como tais, se tornam radicalmente éticos. É preciso deixar claro que a transgressão da eticidade jamais pode ser vista como virtude, mas como ruptura com a decência. O que quero dizer é o seguinte: que alguém se torne machista, racista, classista, sei lá o quê, mas se assuma como transgressor da natureza humana. Não me venha com justificativas genéricas, sociológicas ou históricas ou filosóficas para explicar a superioridade da branquitude sobre a negritude, dos homens sobre as mulheres, dos patrões sobre os empregados. Qualquer discriminação é imoral e lutar contra ela é um dever por mais que se reconheça a força dos condicionamentos a enfrentar”.

Ao encontro de tudo isso, vale lembrar também do último discurso do papa Francisco quando esteve no Brasil no ano passado, ele falava aos jovens: “eu peço a vocês que sejam re-vo-lu-ci-o-ná-ri-os, que vão contra a corrente, sim, nisto peço que se rebelem, que se rebelem contra essa cultura do provisório que, no fundo, crê que vocês não são capazes de assumir responsabilidades, que não são capazes de amar a verdade... Tenham coragem de ir contra a corrente. Tenham a coragem de ser felizes!

Por fim, vale citar um gigante da luta contra a discriminação, o guerreiro Nelson Mandela: “o homem corajoso não é aquele que não sente medo, mas o que vence esse medo... O que conta na vida não é o simples fato de vivermos. A diferença que fizemos na vida dos outros determina a importância da vida que levamos”.

 

Conselho Estadual das Delegacias Sindicais do Paraná (CEDS-PR)