Entrevista

Arnaldo Faria de Sá um ativo defensor dos servidores inativos

Em 2003 a história se repete, agora sob o comando do governo petista, que mais uma vez joga a opinião pública contra os servidores, como bodes expiatórios da crise do sistema, a exemplo da era Collor e FHC.
Na corrida do governo Lula para promover a reforma da Previdência, alguns pontos da proposta parecem estar fechados, por exemplo: I - fim da regra de transição, passando a vigorar a regra permanente para a aposentadoria II - benefício da aposentadoria pela última remuneração líquida (entenda-se vencimento bruto, menos a contribuição previdenciária) III - não integralidade das pensões IV - mudança do período de carência, de cinco para dez anos no cargo, e de 10 para 20 anos  no serviço público V - aprovação do PL 9/99 e  VI - fixação  de teto único.
O deputado Arnaldo Faria de Sá está preocupado e acredita que somente uma forte mobilização dos servidores será possível evitar menos perdas. Acompanhe.

Cadernos T - A proposta do governo de definir o benefício da aposentadoria pela última remuneração líquida não configura uma cobrança previdenciária às avessas?
Faria de Sá - Eu acho que essa questão do último salário liquido ser a base da aposentadoria  é um artifício lamentável que se tem utilizado para ver se pega, porque o STF já decidiu que não há possibilidade de haver desconto do valor da aposentadoria recebida pelo servidor. Essa seria uma tentativa desleal de se descumprir a decisão do Supremo que decidiu, de maneira unânime, pela inconstitucionalidade desse desconto. Essa é mais uma tentativa desesperada do Executivo de tentar descumprir a decisão do STF.

Cadernos T – E quanto à possibilidade de termos novas regras sobre as regras de transição existentes?
Faria de Sá - Na verdade o governo assumiu um compromisso com o Fundo Monetário Internacional (FMI) numa carta de intenções, ou numa carta de má intenções, para fazer uma reforma da Previdência, ou qualquer reforma da Previdência. O governo não sabe qual é essa reforma, mas tem que fazer uma reforma para cumprir as determinações do FMI, e fica alardeando coisas inconseqüentes. Primeiro que o regime geral teve um déficit de R$ 2 bilhões em  2002, quando  sabemos que não é verdade até porque eles estão considerando para a apuração desse déficit o total de benefícios sociais e assistenciais que a previdência paga. Que tiveram no ano anterior um dispêndio de caixa de R$ 19 bilhões. Se eles alegam que há um déficit de R$ 17 bilhões ai então já está desmontada a história do déficit e você passaria a ter um superávit. O outro dado que eles procuram dar é que na soma dos benefícios do servidor público municipal, estadual e federal, eles fazem o regime puro e simples de caixa, do que  entrou e do quanto saiu, se esquecendo que os governos também são empregadores e que também têm que contribuir com a sua parte. Tomando por base dois por um você teria um déficit sim, mas não da ordem que eles estão apresentando. E se você pegar só o que foi pago de juros no ano passado, R$ 130 bilhões, para  a manutenção do superávit primário que eles tem que cumprir por determinação do fundo. Na verdade vamos ver que eles estão vendendo um déficit que não existe para criar uma opinião junto às camadas de formadores, no sentido de que a opinião pública fique contra o servidores públicos. Esse é o jogo que está sendo feito. Um jogo sórdido, utilizando a mídia. Sabemos que toda a mídia está quebrada financeiramente e dependo do governo. Por depender do governo vão vender as mentiras que o governo quer. E isso é duro (breve pausa)  porque o governo sempre é governo, mesmo sendo um governo no qual os trabalhadores achavam que poderiam ter um tratamento diferente. Lamentavelmente estão tendo um tratamento igual ou pior do que tinham no governo neoliberal que antecedeu este governo, e nós agora estamos tendo um governo pré-liberal, quer dizer, é uma situação estranha. O próprio presidente que criticava  tanto o Congresso, que dizia que tinha cerca de trezentos picaretas no Congresso já fez acordo com os trezentos picaretas e vai conseguir aprovar aquilo que quer e o que bem entende, até porque vai ter maioria para isso. Os que eram contra a reforma, hoje por estarem no governo, são a favor e aqueles que eram a favor continuam  a favor.
Tem que haver um trabalho muito grande de articulação e  de movimentação de todas as categorias,, de todos os seguimentos no sentido de que se de um basta, uma travada em toda essa colocação. Já vem de algum tempo esse processo de desvalorização, de desqualificação do servidor público. Quer dizer, não se dá meios, condições e equipamentos para que o servidor preste  um bom serviço. Mas lá na ponta do balcão o cidadão acaba achando que o servidor é que está atendendo mal. Isso é preparado e proposital,  para ser colocado como uma pessoa dispensável e  desnecessária. Vejamos  inclusive que a partir da Emenda Constitucional nº 19, várias áreas do serviço público foram sendo terceirizadas... “quarteirizadas”..., quer dizer, há contratação porque editam uma medida provisória permitindo isso, e mais outra medida provisória prorrogando essa contratação temporária. Então vai se criando um clima de terrorismo....e é isso que eles querem mesmo. Chegou a hora de todo mundo arregaçar as mangas  e conversar com o parlamentar na base, pressionar o parlamentar da sua cidade para que a gente tenha uma mudança desse enfoque porque nesse acordo com o FMI o atual governo assumiu a obrigação de fazer a reforma. A reforma interessa para quem? Aos grandes grupos internacionais de seguros.  As seguradoras internacionais, americanas e européias já entraram no Brasil e há muita propaganda por ai de previdência privada, por exemplo, AGF Previdência Privada, AIG Previdência Privada. Pensamos até que é  algum  grupo nacional, mas AGF é Allianz Group AIG é American Internacional Grup. Eles ficam enganando, mascarando como se fosse alguma empresa ligada a um grupo brasileiro, mas na verdade é uma mera associação de grupos internacionais que aproveitam dessa confusão de previdência pública para vender os seus planos de previdência privada. 
Vejamos, se voltarmos um pouquinho , no início dos anos 90, ficou claro que acabaram com a saúde pública para vender os planos de saúde privada. Passaram pouco mais de dez anos e nós chegamos  ao caos, não há  saúde nem na pública e nem na privada. A mesma coisa vai acabar acontecendo com a previdência. Eles dizem que na previdência social tem muita gente que está no mercado informal, que não contribuem e que não participam. Observe que, todos afirmam que a previdência está quebrada, que a previdência não se sustenta etc. Então como vamos obrigar um trabalhador autônomo a entrar na previdência que está quebrada? Primeiro é preciso passar a imagem da solidez da previdência pública para depois exigir que estas pessoas passem a contribuir. Eles venderam a imagem da previdência falida e reclamam que as pessoas não entram no sistema. Ora, como vão entrar no sistema?
Eu me lembro que quando a reforma da previdência anterior veio para o Congresso, o Banco Nacional, o Bamerindus e o Econômico tinham previdência. E antes mesmo da aprovação da reforma que gerou a Emenda Constitucional nº 20 esses bancos quebraram. Quer dizer, as pessoas que podiam acreditar num plano de previdência ficaram assustadas com a história dos famosos montepios de algum tempo atrás. Tem gente até hoje atrás dos montepios e não receberam nada. Há uma grande desconfiança de uma massa da população desses planos de previdência privada. Como eu disse, são todos eles internacionais. E se eles forem embora do Brasil o cidadão vai receber aonde? Vai receber lá na França. Vai receber nos Estados Unidos, vai receber na Inglaterra, na Itália, na Espanha? Aonde nós vamos receber? Não há nenhuma garantia, nenhuma tranqulidade.
Não tratam previdência como uma coisa pessoal e inerente à vida. Tratam previdência como mercado, como negócio, como uma questão meramente econômica.

Cadernos T - O senhor falou em tentativas desesperadas do governo.  O senador  Mercadante propõe que a reforma tributária seja apreciada no Senado e a previdenciária na Câmara, enquanto todos sabemos que a Câmara é uma casa onde são iniciados os projetos, enquanto o Senado é uma casa revisora. Como o deputado vê essa jogada?
  Faria de Sá – Olha, se for uma proposta do Executivo não pode tramitar inicialmente pelo Senado. É proibido pelo regimento, pela Constituição. E se o governo mascarar isso através de uma das suas estrelas e apresentar pelo Senado vai ter sérios problemas. Eu vou fazer questão de ordem aqui na Casa, porque nós não podemos deixar de respeitar o texto constitucional. O Senado é casa revisora e não casa iniciadora de uma reforma constitucional da lavra do Executivo. Mas, (breve silêncio) o PT acha que pode tudo. Então vamos ver!

Cadernos T - A categoria dos técnicos da Receita Federal conhece  a  luta do senhor, que desde 95, ainda na “primeira reforma”, tem estado na linha de frente apoiando os servidores públicos. O deputado vivencia a dureza dessa luta, mas precisamos ir em frente. Que avaliação o senhor faz de todo este período?
Faria de Sá - As reformas administrativa e previdenciária do governo neoliberal de FHC não conseguiram tudo aquilo que queriam porque houve uma grande mobilização. Alguns setores participaram efetivamente num trabalho de ponta, como fez o Sindtten. Mas infelizmente muitas categorias se omitiram e deixaram a coisa correr solta. Se isso acontecer agora não chorem depois (avisa). Acredito que uma grande mobilização é importante no sentido de perdermos menos. Vamos perder, lamentavelmente. Porque o governo vai cumprir os acordos com o FMI. Mas se nós fizermos uma grande mobilização é possível que, ao final da reforma, possamos comparar a proposta inicial com a emenda promulgada com menos perdas.
Esse governo tem uma coisa chamada apelo popular, mesclado com apoio da mídia, ainda que comprado, mais a necessidade de sustentabilidade econômica. E aí... todo mundo vende o aposentado como vilão da história. E se a gente não tiver uma articulação grande...(pausa). Esta luta não é só das entidades que congregam aposentados e pensionista. Esta luta tem de ser dos servidores da ativa,  pois  não sei se serão aposentados,  se não acordarem enquanto é tempo.