STF começa julgar cobrança dos aposentados

STF começa julgar cobrança dos aposentados

Ministros são favoráveis à Adins, surpreendem articuladores do governo e o julgamento é adiado
Após quase seis meses de apreciação, o Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou, no dia 26 de maio, o julgamento de duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (Adins) que questionam o art. 4° da Emenda Constitucional (EC) n° 41. A emenda trata da reforma da Previdência, onde está instituída a cobrança de 11% dos servidores públicos aposentados e dos pensionistas sobre o que exceder R$ 1.440 dos vencimentos.
Após a votação de três ministros, dois a favor e um contrário à inconstitucionalidade, o ministro Cezar Peluso apresentou o pedido de vista, o que adiou o julgamento das duas ações por mais dez dias. O pedido pode ser renovado pelo mesmo período por mais duas vezes. Caso o ministro não se manifeste até o fim deste período, o presidente do Supremo, ministro Nelson Jobim, pode determinar em Plenário que Peluso apresente sua decisão a respeito da procedência das ações. Articuladores do governo pressionam para que o ministro renove o prazo e atrase o retorno do julgamento para agosto, quando acaba o recesso do Judiciário.
E o governo já iniciou as negociações para evitar mais uma derrota no Judiciário. Um dia após o julgamento, o ministro da Previdência, Amir Lando, solicitou audiência com o presidente do Supremo para defender a constitucionalidade da taxação dos servidores. Segundo o ministro, com a extinção da contribuição previdenciária o governo deixará de arrecadar cerca de R$ 1,9 bilhão por ano. “Venho manifestar a preocupação do ministério com o que está se desenhando”, disse o ministro. Nos bastidores do STF há quem garanta que o governo será mais uma vez derrotado no Judiciário. Mas nos corredores do Planalto há quem diga que o julgamento apenas começou.

Adins

Ao todo são sete Adins que questionam no STF a validade do recolhimento dos aposentados e pensionistas. Das sete ações, quatro foram apresentadas por associações de juízes e promotores, uma é da Confederação dos Servidores Públicos do Brasil, e as outras duas são do PDT e do Prona. As duas ações que estão sendo julgadas pelo Pleno do Supremo é a n° 3105 e a n° 3128.
A Adin n° 3105 - na qual o procurador-geral da República, Cláudio Fonteles, assinou o primeiro parecer opinando pela inconstitucionalidade da contribuição dos inativos - é de autoria da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp). Já a segunda Adin - n° 3128 - é de autoria da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) e também já possui manifestação favorável da Procuradoria Geral da República.

Novos argumentos

Ao contrário do que muitos esperavam, os três ministros que votaram antes do pedido de vista do ministro Peluso, apresentaram novos argumentos para justificar seus votos. A ministra Ellen Gracie Northfleet, relatora das duas ações, e o ministro Carlos Ayres de Brito votaram pela inconstitucionalidade da contribuição.
Ellen Gracie apresentou seu voto com uma tese nova. A ministra disse que um tributo como a contribuição previdenciária somente pode ser instituído se houver um benefício em contrapartida. Caso contrário, pode configurar um tributo de captação, que não tem benefício correspondente - ou bitributação, já que o servidor contribuiu durante o período em que esteve na ativa e, na inatividade, paga o Imposto de Renda.
"O servidor não pode ficar sujeito a pagar uma contribuição por causa de fatos passados. A tese do déficit da Previdência ou de que o servidor não contribuiu o bastante não são causas legítimas (para justificar a tributação)", afirmou Ellen Gracie. "Não há contribuição sem benefício nem benefício sem contribuição", acrescentou a ministra.
Já o ministro Ayres Britto, indicado para o STF pelo presidente Lula, fundamentou o seu voto, contrário ao governo, no princípio de que direitos adquiridos não podem ser atingidos nem por emenda constitucional. "As emendas estão proibidas de ofender o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada", afirmou Britto.
O ministro Joaquim Barbosa contrariou os colegas e votou a favor do governo. Ele também foi indicado no ano passado pelo presidente Lula. Como único ministro negro, Barbosa fez uma comparação considerada curiosa por juristas. Segundo o ministro, "ninguém com o mínimo senso de ética evocaria o direito adquirido na questão dos senhores de escravos diante da lei Áurea”.

Suspensão

Para que a cobrança dos aposentados seja suspensa, é preciso que pelo menos seis dos 10 ministros do Supremo acolham o parecer do vice-procurador-geral da República, Antonio Fernando Barros e Silva de Souza, endossado pelo procurador-geral, Cláudio Fontelles, que é pela inconstitucionalidade do art. 4°.
Caso a cobrança seja suspensa, Lula sofrerá uma derrota semelhante à de seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso, que tentou instituir a tributação por meio de lei em 1999, barrada pelo Pleno do Supremo. Na época, o governo FHC acusou o tribunal de prejudicar o ajuste negociado com o Fundo Monetário Internacional (FMI). A cobrança iria gerar uma receita anual superior a R$ 2 bilhões.

Regulamentação da taxação

Apesar da EC n° 41 já estar em vigor desde janeiro, o governo precisou editar a Medida Provisória n° 167 de 19 de fevereiro de 2004, para regulamentar o recolhimento dos servidores. A medida tramitou no Congresso Nacional em regime de urgência. Já foi votada na Câmara, no Senado e agora é lei.
No entanto, o governo anunciou que mesmo que a MP tenha entrado em vigor no dia 20 de maio, antes da conversão em lei, a contribuição só será efetivamente descontada na folha de pagamento dos servidores no mês de julho. Mas os Técnicos da Receita Federal não contribuirão, por enquanto, uma vez que em maio o Sindicato conseguiu liminar favorável ao Mandado de Segurança coletivo n° 2004.34.00.0084898-0 impetrado contra a EC n° 41 e a Medida Provisória n° 167/2004.