Maior bandeira social do País

Maior bandeira social do País

O professor universitário e pesquisador que tem a missão de levar três refeições diárias a quase 20 milhões de brasileiros

   



Ele tem 53 anos e hábitos simples, gosta de chope e carne de bode. Dorme pouco e prefere a tranqüilidade da noite para escrever. É Engenheiro Agrônomo de formação, com doutorado em Economia e pós-doutorado pelo Institute of Latin American Studies University College London, na Inglaterra. Tem uma lista de mais de 80 trabalhos na área científica, recebeu vários prêmios e títulos, entre eles, a medalha paulista do mérito cientifico e tecnológico, e tem 18 livros publicados. José Graziano da Silva foi o homem escolhido pelo Presidente Lula para levar adiante o projeto de conseguir, até o final do governo, que todos os brasileiros tenham no mínimo três refeições diárias. Nessa entrevista, ele responde às críticas feitas ao Programa Fome Zero, nega que esteja perdendo espaço na Esplanada dos Ministérios,  mostra os resultados do programa e diz que ninguém consegue acabar com a fome sozinho, sem que haja mobilização social.
   
TRIBUTUS - Quais os resultados concretos produzidos pelo Fome Zero até hoje?  Quantas famílias estão sendo beneficiadas e quais as metas para 2004?
GRAZIANO - O programa Fome Zero é formado por três tipos de políticas: as emergenciais, as estruturais e as específicas. Então, quando você me pergunta sobre a situação geral do Fome Zero, tenho que lhe dizer quais os resultados que cada uma dessas políticas tem apresentado. No caso das políticas emergenciais, já distribuímos mais de 16 mil toneladas de alimentos para famílias de acampados sem-terra, indígenas e quilombolas (famílias remanescentes de quilombos). O Programa Cartão Alimentação (que transfere R$ 50 às famílias com renda per capita inferior a meio salário mínimo, para a compra de comida), já atendeu, até o mês de setembro, mais de 750 mil famílias de 837 municípios. Todos os municípios do semi-árido brasileiro já foram capacitados e estão aptos a receber o benefício. O número de comitês gestores democráticos e suprapartidários chega a 1.100. Agora, o programa está sendo expandido para a região da Amazônia. Nossa meta é incorporar 500 mil novas famílias até o final do ano. No que diz respeito às políticas estruturais, já estão sendo desenvolvidas ações de alfabetização, construção de pequenas obras hídricas (como cisternas e açudes), educação alimentar, geração de emprego e renda, o estimulo à produção e ao consumo de leite, entre tantas outras. A lista é extensa. E nossas perspectivas para o ano    que  vem  são  as  melhores  possíveis. No entanto, mais que metas, vale destacar o processo de mobilização que o programa está possibilitando. Um exemplo disso: os mais de mil pedidos para o uso da logomarca do programa Fome Zero em atividades de arrecadação de alimentos hoje, a maioria das empresas que nos procura propõe colaborar com ações de longo prazo. Temos 73 empresas certificadas como parceiras do Fome Zero e já há mais uma centena delas aprovadas para receber esse certificado. A sociedade leva um tempo para responder aos estímulos do governo, mas agora as pessoas já começam a acreditar que o Fome Zero não é um marketing. Vale lembrar também o trabalho voluntário de 12 mil pessoas que integram os comitês gestores.

TRIBUTUS - Existe a possibilidade do programa Fome Zero ser adotado por outros países?
GRAZIANO - Sim, e isso já está ocorrendo. Atualmente já estamos com interesse manifesto da Argentina e do Paraguai. Além disso, estamos planejando uma reunião com os países do Mercosul ainda para este ano, com o objetivo de construir uma estratégia comum de segurança alimentar, à imagem do que ocorre na Europa. Também há a proposta do presidente Lula da Silva de criar um comitê mundial de combate à fome coordenado pelas Nações Unidas, que fatalmente irá beneficiar a América Latina.

TRIBUTUS - Como o senhor responde às críticas daqueles que dizem que o Fome Zero é assistencialista e que seria melhor dedicar esforços  na educação e preparação profissional dos mais pobres?
GRAZIANO - Essas críticas, geralmente, são infundadas e revelam, principalmente, o desconhecimento de quem as faz. O Programa Fome Zero não se sustenta apenas em medidas emergenciais (transferência de renda e distribuição de alimento) nem apenas em medidas estruturais (como aumento da produção, reforma agrária, geração de emprego, alfabetização e capacitação profissional, etc.). Seu segredo consiste justamente em combinar esses dois tipos de política em doses apropriadas para a realidade brasileira. Como diz o Presidente Lula, trata-se de um programa que dá o peixe e ensina a pescar. O que precisa ficar claro é que o Fome Zero dá assistência, sem ser assistencialista. Acudimos as pessoas emergencialmente, e não poderíamos fazer diferente, afinal, quem tem fome não pode esperar. Mas a nossa expectativa é romper com a dependência das famílias beneficiadas, em relação à transferência de renda e às cestas básicas, e para isso temos as ações estruturais. 

TRIBUTUS - Por que demorou tanto para começar este programa no Brasil? Quais foram as dificuldades iniciais? Está sendo possível aproveitar as experiências do governo anterior?
GRAZIANO -  O principal ponto positivo do governo FHC foi criar a transferência de renda direta, via cartão. No entanto, os problemas com o Cadastro Único, montado pelo governo, dificultaram – e continuam dificultando – a implantação do Fome Zero. Encontramos muitas irregularidades. Muita gente que não devia receber os benefícios estava recebendo e muita gente que precisava não estava sendo beneficiada. A lista de beneficiários era de conhecimento apenas dos prefeitos das cidades. Isso deu margem a muitas falcatruas que só agora estão sendo reveladas com a nossa política de total transparência, através da divulgação da relação dos beneficiários para toda a comunidade. Corrigir essas distorções toma tempo. Além disso, tem o fato de que, como não havia no Brasil uma política de Segurança Alimentar, não existia a institucionalidade necessária para a implantação dos programas (leis, portarias, instruções, etc.) E isso teve que ser resolvido, o que tomou tempo no início do programa. Também não podemos nos esquecer que muita gente que realmente precisava de ajuda, não existia para o governo, porque não tinha sequer um documento. Mesmo com essas dificuldades, as metas do Fome Zero estão sendo superadas.

TRIBUTUS - É verdade que o orçamento de 2004 está prejudicando os projetos sociais?
GRAZIANO - Não é verdade! O que acontece é que as pessoas confundem o programa Fome Zero com os ministérios setoriais. É preciso esclarecer: o Fome Zero é um programa de governo. Nós fizemos um levantamento no Projeto de Lei Orçamentária de 2004 que demonstra que existem pelo menos 200 ações em 60 programas prioritários do Fome Zero. Esses programas envolvem 15 ministérios e a Presidência da República. Para realizá-los, está previsto o repasse de R$ 15,2 bilhões. Então, os projetos sociais não foram prejudicados pelo orçamento de 2004. Foram, sim, estimulados.

TRIBUTUS - Na sua opinião, qual é a garantia da permanência e do sucesso do programa a médio e longo prazo?
GRAZIANO - Este projeto, hoje, pertence à sociedade brasileira. Já não é mais um projeto do governo brasileiro. A mobilização popular e a vontade coletiva da população empurram o programa para frente.

TRIBUTUS - O senhor conhece bem o Presidente Lula. Na sua opinião, qual é a maior virtude do Presidente?
GRAZIANO - Essa resposta é fácil: saber ouvir.

TRIBUTUS - O senhor é militante do PT? O que acha da necessidade do Partido fazer um congresso extraordinário para decidir como deve ser o PT, como fez Felipe González na Espanha com o PSO, antes de chegar ao poder e como fizeram os trabalhadores na Grã-Bretanha?
GRAZIANO - Sou um dos fundadores do PT. Estive com Lula em todas as campanhas presidenciais e nas Caravanas da Cidadania, nas quais percorremos mais de quatrocentos municípios brasileiros, de uma ponta à outra do País. Esse foi um trabalho que nos marcou a todos, e nos permitiu aprofundar muitas das posições que trouxemos para o governo. Quanto à realização de um congresso extraordinário, não acho necessário. O PT definiu sua estratégia no congresso de Recife, em dezembro de 2001. Nele, foram aprovadas as políticas que estão sendo postas em prática pelo partido. Então, não vejo razão para voltar ao tema. Estamos apenas cumprindo o que prometemos na campanha. 

TRIBUTUS - Comenta-se que o Brasil nunca mais será o mesmo  depois que o PT chegou ao poder. Por que? Como isso terá influência no novo rumo social do país?
GRAZIANO - Acho que essa opinião tem muito de verdade. A passagem do PT pela Presidência já fez com que o país voltasse a olhar para si. Após quatro anos, teremos um Brasil que terá posto fim à fome e ao analfabetismo e terá reduzido visivelmente o número de excluídos. Ou seja, viveremos em um Brasil mais justo e igualitário. Foi para isso que a população votou no Presidente Lula. Para mudar.

TRIBUTUS - A Igreja colabora ou cria dificuldades para o Fome Zero?
GRAZIANO - Para a luta contra a fome ser bem sucedida, não bastam os governos estarem de acordo. É evidente que uma boa relação entre as diferentes esferas de poder é fundamental, mas não é o suficiente. É preciso envolver as redes sociais que hoje já cuidam disso. Nesse aspecto, o papel da igreja, bem como dos sindicatos, movimentos sociais e dos partidos políticos, é fundamental. Temos a felicidade de poder contar com todo esse apoio, sem o qual não conseguiremos atingir a nossa meta de erradicar a fome no Brasil em quatro anos