ECAD e cidadania

ECAD E CIDADANIA

Os mirabolantes critérios de cobrança utilizados pela referida entidade colocam em xeque a inteligência do cidadão

Por: Hélcio Armond Júnior

O cidadão brasileiro está exigindo cada vez mais a atenção de políticos, juristas e da sociedade como um todo. Após o lançamento do Programa Nacional de Educação Fiscal – PNEF, que busca promover um processo de mudança de valores na sociedade, incentivando o espírito crítico na exigência de direitos e no cumprimento das obrigações, tendo como meta o exercício pleno da cidadania, o cidadão passou a clamar por maior transparência sobre tudo que é obrigado a pagar e pela clareza na destinação dos respectivos recursos.
Um dos pontos em debate é a cobrança dos direitos autorais efetivada pelo Escritório Central de Arrecadação e Distribuição – ECAD, em razão de execução de música por qualquer pessoa. Os mirabolantes critérios de cobrança utilizados pela referida entidade colocam em xeque a inteligência do cidadão e até mesmo o Estado Democrático de Direito e obviamente a Lei Maior, a Constituição Federal.
A razão de toda a indignação está na malfadada Lei 9.610/98 que comete ao ECAD o direito de representar os autores de música em todas as esferas e o poder de cobrar do cidadão uma contribuição que tem como fato gerador a execução de música. A exação tem todo o contorno de um tributo do tipo contribuição parafiscal corporativa, prevista pela Constituição Federal, artigo 149. No entanto, o ECAD não tem esse entendimento, ignorando que o valor por ele cobrado tenha que respeitar os princípios constitucionais da legalidade, isonomia, capacidade contributiva, não confisco, etc.
A insatisfação é geral entre os que são obrigados a pagar, pela forma monopolista, arbitrária e obscura da definição da base de cálculo, que na prática funciona às avessas do que prega o Programa Nacional de Educação Fiscal, quando acena para o exercício pleno da cidadania.
As leis são impostas muitas vezes sem cumprir o verdadeiro papel para o qual foram criadas, esse é o caso da Lei 9.610/98.

DEFINIÇÃO DE DIREITO AUTORAL
Segundo DE PLÁCIDO E SILVA em sua obra, VOCABULÁRIO JURÍDICO, direito autoral é assim definido:
“É o direito que assegura ao autor de obra literária, artística ou científica, a propriedade exclusiva sobre a mesma, para que somente ele possa fruir e gozar todos os benefícios e vantagens que dela possam decorrer, segundo os princípios que se inscrevem na lei civil”.
O direito de propriedade autoral, entretanto, entende-se o direito de exploração comercial da mesma obra, em virtude do que pode dispor e gozar dela como melhor lhe aprouver, dentro do período prefixado em lei.
No Brasil, a Lei nº 9.610/98 em seu artigo 1º, considera como direitos autorais não apenas os direitos subjetivos dos autores, mas também os direitos que lhes são conexos, como os direitos dos artistas intérpretes ou executantes, dos produtores de fonogramas, dos organismos de radiodifusão e das entidades esportivas que patrocinam espetáculos públicos com entrada paga.

O QUE É O ECAD
O Escritório Central de Arrecadação e Distribuição Direitos Autorais - ECAD é uma sociedade civil privada instituída pela Lei Federal nº 5.988/73 e mantida nos moldes da atual Lei nº 9.610/98. É organizado pelas associações de autores e demais titulares a elas filiados e representados para arrecadar e distribuir Direitos Autorais decorrentes da utilização pública de obras musicais ou lítero-musicais e de fonogramas, nacionais e estrangeiros, inclusive, através da radiodifusão e transmissão por qualquer modalidade, da exibição cinematográfica e por qualquer outro meio similar, em todo o território nacional.
O ECAD está legalmente autorizado a efetuar o recolhimento relativo aos direitos autorais, para realização de eventos musicais. O que se discute não é a legalidade da cobrança, mas sim a aplicabilidade desta lei.

COMO ATUA O ECAD
Segundo o ECAD, para se determinar o valor a ser pago pelo direito autoral, é feita uma classificação dos usuários de acordo com a atividade exercida e a região sócio-econômica onde realizam suas atividades, tudo de acordo com o estipulado na Tabela de Preços do próprio órgão, detalhada para cada tipo de usuário e para as diversas formas de utilização das músicas, conforme material fornecido ao público pelo órgão. Entretanto, o valor definido para poder promover um evento musical é cobrado de forma aleatória, não tendo base de cálculo capaz de promover uma cobrança justa. Se não houver o pagamento, o infrator responderá judicialmente, ficando sujeito às sanções criminais e civis cabíveis, conforme artigo 184 do Código Penal, que prevê pena de detenção de 3 meses a 4 anos ou multa, e artigo 109 da Lei Federal 9.610/98, que prevê a multa de vinte vezes o valor que deveria ser originariamente pago.
Na verdade o ECAD não apresenta procuração ou alguma forma de provar quais os autores que são associados ou não. Ignora dessa forma o princípio constitucional que garante que “ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado” (CF, artigo 5º, XX).
Filosoficamente deverá o ECAD prestar um serviço legal, com o intuito único de reembolsar/ressarcir os autores pelo uso de suas obras. Contudo, quando são analisados os critérios utilizados na cobrança, vê-se que a Lei 9.610/98 está longe de atender o fim a que se propõe. Vejamos alguns exemplos.
Um evento musical com cobrança de ingresso, onde existem despesas não só com os músicos, mas também com decoração, comida, bebida, seguranças, Imposto sobre Serviços, Imposto de Renda, propaganda, etc., o valor cobrado pelo ECAD é de 10% da receita bruta. Nesse caso, a base de cálculo está incidindo sobre itens alheios à execução musical, e ainda assim, independente de que o resultado financeiro seja lucro ou prejuízo.
Quando a execução musical é utilizada sem cobrança de ingresso, como uma festa de formatura, aniversário, casamento, música ambiental, velório, festa junina organizada por igreja, escola ou prefeitura, etc., o cálculo é feito com base na área sonorizada de acordo com uma tabela de preços definida pelas associações que compõe o ECAD, ou seja, pelo próprio ECAD, de forma unilateral e arbitrária. O pretexto é que esses valores é que mantêm a sobrevivência dos autores de música. Entretanto, como na prática o valor é pago previamente ao evento, o ECAD não tem como saber quantas e quais músicas foram executadas. Assim, o que se conclui é que a Lei 9.610/98 não é capaz de atingir o fim a que se propõe.

A VERDADEIRA INTENÇÃO DO LEGISLADOR
A Lei 9.610/98 cuida de proteger a propriedade do autor. Isto é claro. Mas, o que realmente acontece é que os autores não recebem este valor cobrado pelo ECAD. A lei não prevê de forma clara como isto deve ocorrer. Logo, a lei 9.610/98 acaba por ter a sua aplicabilidade comprometida, já que não estabelece uma forma efetiva dos autores terem seus direitos autorais preservados. E, não haveria de ter, pois os autores já procuram resguardar seus direitos quando realizam os contratos com as gravadoras.
O objetivo da lei em análise é garantir os direitos de uma obra ao seu autor. No caso específico de uma música, o que acontece é que o Autor vende seus direitos à gravadora, e é aí que ele deve negociar, no sentido de preservar seus direitos. A gravadora, por sua vez, vende os discos ao público em geral, e quanto mais a música for executada mais popular ela fica, possibilitando, dessa maneira, uma vendagem maior e conseqüentemente maior lucro para a gravadora e ao compositor.
Portanto, não se justifica a necessidade da cobrança que é paga ao ECAD, simplesmente pelo fato de o dono de um disco utilizá-lo à sua livre vontade. Assim, o ECAD acaba por inviabilizar a realização de vários eventos culturais, devido a dificuldade em se pagar o valor por ele estipulado, desincentivando a expansão da cultura brasileira.

Hélcio Armond Júnior é Técnico da Receita Federal, há 17 anos.
Ex-Secretário Municipal da Fazenda de Governador Valadares/MG Graduado em Direito Especialista em Direito Público e Direito Empresarial Coordenador Regional do Programa Nacional de Educação Fiscal pela DRF/GVS Professor de Direito Tributário dos cursos de graduação em Direito e Ciências Contábeis da Universidade Vale do Rio Doce - Univale, e de Pós-Graduação da Faculdade de Direito do Vale do Rio Doce-Fadivale.