Secretaria da Receita do Brasil
Oportunidade para corrigir desavenças históricas entre as categorias da Carreira ARFA categoria dos Técnicos da Receita Federal vive momentos de expectativa e apreensão em torno da proposta de criação da Secretaria da Receita do Brasil (SRB). É certo que haverá a unificação da Secretaria da Receita Federal e da Secretaria da Receita Previdenciária, criada no ano passado, em um único órgão de arrecadação, controle e fiscalização, mas ainda existem dúvidas quanto ao modelo a ser adotado e o futuro das carreiras envolvidas. A data de fusão das secretarias e como isso será feito também não foi definido. "Temos uma realidade posta. O governo quer fazer, mas quando vai fazer não sabemos, porque a proposta ainda não foi apresentada. Existem aqueles que defendem que a unificação da administração tributária já deveria ter sido feita, outros acreditam que o momento pode ser agora, ou que o processo vai se estender até o fim do ano", afirma o presidente do Sindireceita Paulo Antenor de Oliveira.
O ministro da Previdência Social, Romero Jucá, informou que a Medida Provisória, versando sobre a Secretaria da Receita do Brasil estava realmente para ser editada na época em que foi empossado. "O pacote estava pronto, a MP quase saiu", destacou Jucá em reunião com representantes do Sindireceita.
O discurso do ministro da Fazenda, Antonio Palocci, no entanto, é outro. Palocci diz que a medida não será efetuada de imediato, pois há fases que devem antecedê-la, como a integração entre os órgãos. Isso, porém, já está sendo feito pois a Receita e a Secretaria do Ministério da Previdência estão trabalhando de forma parcialmente integrada, por meio do cruzamento dos cadastros e de confluência em outros procedimentos.
É razoável supor que a integração de bancos de dados e logística deste novo órgão seja a primeira etapa a ser concluída. As estruturas das secretarias não são as mesmas e tampouco a cultura. "Um passo precipitado, sem observar certas peculiaridades afetará diretamente os contribuintes: com atrasos no atendimento, cobranças indevidas e perda de dados, entre outros exemplos", destaca Paulo Antenor.
Há questões políticas que também podem atrasar a implementação da medida. A princípio a nova secretaria será criada no âmbito do Ministério da Fazenda e existe um conjunto de forças dentro do Ministério da Previdência, que ficará apenas com a concessão de benefícios e que não quer a perda de poder. Uma posição compreensível, uma vez que nenhum órgão aceita de bom grado ser anexado a outro. Um segundo fator é o forte corporativismo presente na Administração da Receita Federal. "Com a chegada de novos servidores, que detêm competência e experiência em funções de chefia, a estrutura e a cultura organizacional da Secretaria da Receita Federal serão colocadas à prova. O dirigente da SRB, se não tiver habilidade para compor com os diversos grupos de servidores terá sérias dificuldades em administrar o órgão, principalmente no momento de implantação", destaca o presidente do Sindireceita. Outra questão é a concentração de poder em um único ministro, no caso, o ministro da Fazenda. Este fato pode não ser visto com bons olhos por outros Ministérios. "Temos que fazer isso com cuidado, na forma e no tempo corretos, para não sacrificar a arrecadação. A união das estruturas deve implicar unificação de carreiras dos servidores", disse o ministro da Previdência, Romero Jucá, responsável pelo calendário e pela dinâmica de implantação da SRB.
Jucá considera prematura a proposta, mas diz que o modelo de unificação é interessante. "Temos que amadurecer ainda essa medida. Podem ficar tranquilos que não será editada uma MP da noite para o dia", afirmou aos representantes do Sindireceita.
De acordo com o chefe de gabinete da Secretaria da Receita Federal, Jânio Castanheira, as discussões sobre o projeto da SRB estão temporariamente paralisadas justamente porque, com a recente troca de ministro da Previdência, somente agora Jucá está tomando conhecimento do teor da matéria.
O Sindireceita critica a falta de transparência de uma alteração dessa magnitude, pois os servidores, a parte mais importante do processo, não estão sendo ouvidos. Após incansáveis reivindicações, a Secretaria da Receita Federal sinalizou que quando o debate voltar à tona será em outro cenário, com a participação das entidades.
Uma Carreira de VerdadeO Sindireceita defende que, primeiro sejam solucionadas questões internas da Receita Federal, como as históricas desavenças entre as categorias da Carreira ARF (Auditoria da Receita Federal), para só depois realizar a unificação dos órgãos que integram a Administração Tributária brasileira.
Em carta enviada ao secretário da Receita Jorge Rachid, os Técnicos afirmam que "têm plena consciência de sua importância para a Instituição e, por isso mesmo, querem servir de elementos catalisadores do desejado fortalecimento da Receita Federal e das melhorias estruturais, em todos os sentidos".
A carta destaca, porém, que este é o momento para resolver as incoerências existentes na carreira e uma proposta que não inclua princípios como: a solução imediata dos conflitos de competência e a observância da paridade para aposentados e pensionistas, será recebida como "verdadeiro retrocesso e, nesse caso, objeto de amargo repúdio pela categoria".
Alguns pontos já foram confirmados e divulgados, mas como ainda não foi apresentado um projeto, podem não se concretizar ou sofrer alterações. Entre eles, estudam a extinção dos cargos de auditor-fiscal da Previdência Social (AFPS) e de auditor-fiscal da Receita Federal (ARF) com a criação de um novo cargo de auditoria, denominado auditor da Receita do Brasil (ARB); não deve haver mudanças no cargo de Técnico da Receita Federal; os servidores administrativos da Secretaria da Receita Previdenciária seriam transferidos para o novo órgão; haveria transferência total das atribuições e dos processos de cobrança da dívida ativa previdenciária da Procuradoria Geral Federal (PGF), da Advocacia Geral da União (AGU) para a Procuradoria da Fazenda Nacional (PFN).
O Sindireceita enfatiza que é possível, com a unificação da administração tributária em um único órgão em razão da similaridade de atribuições, criar uma carreira de auditoria de verdade, com uma estrutura moderna, perfeita e integral, com atributos típicos presentes, sobretudo, a unicidade da sequência de ingresso e progressão até o topo de carreira.
Entende-se que a Carreira Auditoria da Receita Federal não é uma carreira real, por lhe faltarem dois atributos formais e materiais essenciais: a comunicabilidade entre os cargos que a integram e a existência de uma única forma de ingresso na carreira, sem concursos públicos intermediários.
Nesse sentido, a indefinição do campo de atuação dos Técnicos da Receita Federal, e de suas atribuições específicas, resultante do modelo de carreira atual, tem como resultado visível a enorme perda de eficácia e eficiência da Instituição, com claro prejuízo para o Estado e para a sociedade brasileira. "A lei 10.593/02 ao definir as atribuições dos Técnicos, houve inclusão em lei de expressão genérica, abstrata e imprecisa –‘auxiliar os auditores-fiscais em suas atribuições’- o que gerou ainda mais conflitos e confusões. As funções dos Técnicos jamais tiveram o caráter de mero auxílio. Sempre atuaram nas mais importantes funções da Instituição, de modo direto e autônomo", diz a carta enviada à Rachid.
Em um pronunciamento durante a Plenat (Plenária de Administração Tributária), realizada pelos Técnicos no mês de março, o então presidente do Conselho Nacional de Representantes Estaduais (CNRE), Hélio Bernades, afirmou que chegou o momento de resolver antigas questões que afligem a categoria. Para ele, o Sindireceita já deu exemplo de sua parceria com a administração, mas disse que os Técnicos não deixarão de lado a busca por uma solução efetiva desses temas dentro da Receita Federal. "Não podemos mais ser tratados de forma pejorativa. Temos que fazer a unificação e solucionar este problema. A área de atrito existente hoje é a questão das atribuições". Em resposta, o secretário da Receita, também presente ao evento, admitiu que realmente há medidas legais para serem resolvidas e disse que o governo está atento a isso. "Garanto que a unificação da administração tributária com a previdência social buscará o fortalecimento da nossa Instituição e o fortalecimento das nossas carreiras", afirmou Rachid.
O Sindireceita está acompanhando todo o debate e qualquer proposta a ser adotada sobre a criação da Secretaria da Receita do Brasil só será bem recebida pela categoria se:
- Atender aos legítimos anseios dos Técnicos da Receita Federal por uma carreira de verdade;
- Os direitos dos aposentados e pensionistas forem respeitados;
- A escolha de dirigentes, diferentemente do que acontece hoje na Secretaria da Receita Federal, levar em consideração a competência e não o cargo que se ocupa;
- Nenhum servidor que venha para a nova Instituição seja tratado como "de Segunda". O Sindireceita repudia esta expressão, que serve apenas a quem quer manter suas funções, na maioria das vezes não conseguidas pelo critério "competência";
- A implantação da Super-Receita seja feita em fases preparatórias, evitando-se o risco de descontinuidade nos serviços prestados.;
- Levar em consideração os interesses dos contribuintes e não do Estado. Como exemplo, citamos a malha fiscal, onde por motivos puramente corporativistas, os contribuintes são prejudicados.
Unificação de CarreirasO Supremo Tribunal Federal (STF) já se posicionou favorável à junção de carreiras similares durante julgamento de três Ações Diretas de Inconstitucionalidade (Adins): a 2335, a 1591 e a 12.713. A primeira tratou da unificação das carreiras tributárias de fiscalização do estado de Santa Catarina. As carreiras foram extintas e substituídas pela carreira de auditor-fiscal da Receita Estadual, uma vez que já vinham sofrendo um processo de aproximação em razão da correspondência entre elas. A nova carreira estabeleceu uma nítida diferenciação de responsabilidade e importância das atribuições, de acordo com o nível da respectiva classe. Assim, quanto mais elevados os cargos na carreira, maiores e mais abrangentes suas funções. "... a lei impugnada ligou, por um fio de racionalidade, como diz o ministro Gilmar Mendes, quatro carreiras que tinham competência e atribuições, em parte idênticas, e em parte extremamente semelhantes, fundindo-as em uma única carreira o que significou racionalização administrativa", afirmou a ministra Ellen Gracie.
A Adin 1591 discutiu a constitucionalidade da unificação promovida por Lei Estadual do Rio Grande do Sul, das carreiras de auditor de finanças públicas e de fiscais de tributos estaduais, em uma nova carreira de agente fiscal.
A Adin 12.713, referente à Advocacia do Estado, tratou da ação ligada aos assistentes jurídicos e seu aproveitamento como advogados da União, e também seguiu a mesma linha de raciocínio das outras Adins, identificando mais similitudes do que diferença entre as carreiras.
Quanto à Carreira de Auditoria da Receita Federal não há dúvidas de que existem similaridade ocupacional e pertinência temática entre os cargos de Técnico e auditor-fiscal. Ambos os cargos compõem a mesma carreira há mais de 20 anos e exercem, desde então, atividades típicas de arrecadação, tributação e fiscalização de tributos federais, com atribuições muito próximas ou com nenhuma diferença substancial, nos mesmos locais e nas mesmas condições. Além disso, ambos têm idêntico nível de escolaridade.
Neste caso, seria conveniente, e administrativamente oportuna, uma reestruturação que estabelecesse, com precisão, o rol atributivo dos cargos de Técnico e auditor, através de uma série de classes única, organizada em níveis crescentes de responsabilidade e funções.
A Constituição Federal de 1988 previu, no art. 24, do Ato das Disposições Constitucionais Provisórias (ADCT), a compatibilização dos planos de carreiras à nova ordem constitucional. Sendo assim, uma ampla reforma administrativa deveria ter sido realizada – e não foi- para que todas as carreiras pudessem ser reorganizadas de acordo com seus naturais conteúdos ocupacionais e com relação de pertinência entre os cargos que as compõem.
Se há a necessidade de que a Carreira ARF seja compatibilizada aos ditames constitucionais, sua estrutura deve refletir, material e formalmente, a real relação entre os cargos que a compõem: se devem permanecer inseridos em uma mesma carreira, ou se devem ser separados. "O que é impossível, à luz da ordem constitucional vigente, é permanecerem juntos para determinados fins e separados para outros (progressão funcional)", analisa Paulo Antenor de Oliveira, presidente do Sindireceita.
Benefícios e riscosOs condutores do processo de elaboração da "supersecretaria" dizem que a mudança será para melhor, com ganhos significativos para a eficiência da fiscalização, inclusive com aumento de arrecadação sem elevar a carga tributária. A idéia é criar um único setor de inteligência para investigar os sonegadores e fraudadores. O governo pretende adotar também o CPF para combater a sonegação ao INSS, apertando o cerco a profissionais liberais e autônomos que declaram imposto à Receita, mas não recolhem um centavo para aposentadoria e mais tarde solicitem o benefício.
De acordo com o ministro da Previdência, Romero Jucá, em entrevista ao "Valor Econômico", a medida visa racionalizar custos e procedimentos. "É preciso lembrar que, numa das etapas da reforma tributária, colocou-se na Constituição que parte da contribuição das empresas para a Previdência Social incidirá sobre o faturamento e não sobre a folha de salários. A regulamentação dessa norma constitucional implicará mudança no perfil de cobrança e fiscalização, uma vez que a base de cálculo de parte do recolhimento das empresas à Previdência será diferente. Isso requer um aparelhamento que a Receita Federal tem muito mais do que a Receita Previdênciária", disse.
A medida também pretende facilitar a vida do contribuinte através da redução de burocracia, como por exemplo, a obtenção de certidão negativa de débito em um único lugar. Hoje é preciso pedir o documento ao INSS e à Receita Federal.
Para Paulo Antenor, a proposta só poderá ser levada à frente se todas as garantias forem dadas aos cidadãos de que suas contribuições previdenciárias serão devidamente respeitadas.
É justamente este ponto que preocupa o presidente da Anfip (Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Previdência Social), Marcelo Oliveira. Ele teme que ocorra, na fusão, a desvinculação das receitas previdenciárias do pagamento com aposentados e pensionistas. "O orçamento da República possui algumas rubricas que são vinculadas, ou seja, tem a arrecadação vinculada, entre elas está a arrecadação para o pagamento de aposentados e pensionistas. Receio que, com a unificação, a arrecadação da previdência social, constituída da tributação de folha de pagamento e que deve ser utilizada exclusivamente para o pagamento do regime geral, passe a compor o cálculo dos recursos destinados ao pagamento dos encargos da dívida externa, ou mesmo possam ser utilizados para os investimentos públicos federais", alerta o presidente da Anfip.
Já segundo o ministro do STF Gilmar Mendes, a unificação das receitas não constitui ameaça direta ao financiamento do regime geral da previdência. "Não acho necessariamente que tenha que haver alguma alteração na natureza das receitas previdenciárias vinculadas. O modelo é contábil e pode ser integralmente preservado. Um novo desenho, que leve a uma centralização, não deve provocar a desvinculação da receita previdenciária. No modelo atual, temos um sistema de déficit, de modo que há uma composição de recursos existentes para a previdência social oriundos de outras fontes", avalia. O ministro diz ainda que mesmo que haja um equilíbrio do sistema, não é preciso haver desvinculação decorrente da centralização. "Esses números podem ficar transparentes, a partir de critérios de arrecadação existentes. Basta ter um desenho institucional preciso. A centralização é apenas uma via de ganhar racionalidade evitando o dispêndio de energia e burocrático", acrescenta.