Congresso adia novamente Auditoria da dívida pública

Congresso adia novamente
Auditoria da dívida pública

Brasil poupa bilhões para refinanciamento da dívida, mas não cobre pagamento de débitos
A dívida pública brasileira, interna e externa, fechou 2004 em R$ 1,047 trilhão, segundo dados do Banco Central. O superávit primário do ano passado, de R$ 81 bilhões foi suficiente para pagar somente 63% dos juros da dívida pública, que atingiram R$ 128,3 bilhões. Com isso, o que restou a pagar dos juros da dívida em 2004 foram R$ 47,1 bilhões, equivalentes a 2,7% do PIB. Este ano, a previsão é de que aproximadamente R$ 90 bilhões vão para o pagamento de juros da dívida, sobrando apenas R$ 11 bilhões do orçamento para investimentos em saúde, infra-estrutura, segurança, educação e demais serviços públicos. Mesmo poupando bilhões para a dívida, o Brasil não consegue cobrir o pagamento dos débitos. De acordo com o orçamento deste ano, o País teria que pagar R$ 145 bilhões de juros da dívida interna e R$ 37 bilhões de juros da dívida externa.

Para a deputada federal Dra. Clair (PT-PR), que coordena a Frente Parlamentar de Acompanhamento da Dívida Pública do Sistema Financeiro e da Política de Juros, a dívida é uma questão crucial que o Brasil terá que enfrentar em algum momento. "Não podemos continuar nesse ciclo vicioso. Para refinanciar essa dívida temos que colocar títulos no mercado, elevar os juros e ao elevar os juros acabamos aumentando a nossa dívida interna. O estoque da dívida líquida do setor público subiu de R$ 913,1 bilhões, em dezembro de 2003, para R$ 937 bilhões em dezembro de 2004, embora a relação entre a dívida pública e o PIB tenha caído de 57,2% para 51,8% no mesmo período. Os juros freiam o crescimento econômico e o desenvolvimento social do País. A cada 0,5 por cento de aumento dos juros, nós aumentamos em R$ 3,1 bilhões o valor da dívida interna", destacou Dra. Clair.

Recentemente, o governo estuda medidas mais radicais de aperto fiscal para manter a dívida sob controle, com a proposta de superávit nominal apresentada pelo ex-ministro da Fazenda, hoje deputado federal, Delfim Netto (PP-SP). A medida significaria pagar por inteiro, a médio prazo, todas as despesas e todo o custo anual da dívida, mas corre-se o risco de redução ainda maior dos gastos públicos em áreas sociais. "Sou contra a esse superávit nominal e acho também que deveríamos ter um superávit primário menor para sobrar mais recursos para investimentos. Eu elaborei uma emenda à Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2006 para que a meta de superávit primário seja de 3,25% e não dos atuais 4,25% porque assim sobrariam mais R$ 20 bilhões de recursos para investimento e implementaríamos um crescimento sustentável no Brasil", afirmou a deputada.

O substitutivo à LDO de 2006, em análise no Legislativo, aponta como principal novidade do texto a possibilidade de o governo fazer reajuste de até 0,25 ponto percentual no superávit do País, para mais ou para menos, se houver alteração na previsão de crescimento real do Produto Interno Bruto (PIB). O ajuste para mais poderá ser adotado na hipótese de crescimento da economia, permitindo uma redução de recursos para pagamento da dívida pública. No caso de queda da atividade econômica, a diminuição da meta para 4% terá a finalidade de garantir a liberação de recursos para investimentos.

A Constituição de 1988, no Art. 26 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, determina o exame analítico e pericial dos atos e fatos geradores do endividamento externo brasileiro, através de Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do Congresso Nacional, que deveria ter sido instalada em 1989. Após 16 anos, a auditoria da dívida não deve ser realizada também neste ano. Requerimento com a assinatura de 260 deputados e 23 senadores solicitando a abertura de CPMI para realizar auditoria das dívidas externa e interna, por entender que ambas são complementares, foi entregue à Presidência da Câmara dos Deputados no mês de abril, mas devido a conjuntura política a CPMI não tem data para ser instalada. "Estamos trabalhando um momento oportuno para colocar em pauta essa CPMI. Ela foi protocolada no mesmo dia da CPI que investiga corrupção nos Correios e depois veio a CPMI do ‘mensalão’. Claro que a nossa CPMI teria uma prioridade, o problema é que não existe condições políticas para que esse assunto seja colocado em pauta diante do quadro conjuntural que vivemos", informou Dra. Clair.

Em virtude da demora de uma investigação da dívida, a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) interpôs no STF (Supremo Tribunal Federal), em dezembro de 2004, uma ação denominada "arguição de descumprimento de preceito fundamental", com intuito de obrigar o Congresso Nacional a efetuar a auditoria. Dra. Clair explica que já houveram duas iniciativas no Congresso neste sentido, mas os objetivos delineados na Constituição não foram alcançados. "A OAB argumenta que esse preceito constitucional não foi cumprido e a Frente Parlamentar entende que o Congresso tem que cumprir o seu papel, não só porque a Constituição prevê, mas porque houve um aumento elevado da dívida e teremos que verificar a veracidade disso", alertou Clair.

Conforme análise dos contratos de endividamento externo relativos ao período de 1964 a 2001, disponibilizados pelo Senado Federal, o movimento Auditoria Cidadã da Dívida constatou a existência de cláusulas abusivas como a adoção de juros flutuantes, que permitiram aos EUA elevar os juros de 4% para 20%, aumentando em cinco vezes o valor da dívida. Ainda de acordo com a análise da Auditoria Cidadã, se a dívida fosse corrigida em 6% ao ano, o Brasil já teria quitado a dívida em 1989 e teria o direito de receber US$ 100 bilhões pagos a mais. Também foi constatado que somente cerca de 30% dos contratos da dívida externa encontram-se nos arquivos do Senado Federal, órgão encarregado de aprovar qualquer financiamento externo. "Só esses dois fatos indicam a necessidade de se fazer a auditoria", enfatiza a deputada.

O Conselho de Altos Estudos da Câmara dos Deputados concluiu uma análise da dívida pública brasileira em maio deste ano. O estudo, de 183 páginas, afirma que "a condição-chave necessária para a redução da dívida é a manutenção de superávit primário de 3,75% do PIB". O relatório conclui também que há uma divergência de opiniões "no que se refere à política monetária e aos juros considerados excessivamente altos" e diz que os juros mais altos encarecem a dívida pública, "sem que isso represente um ganho significativo em termos de controle da inflação".

O estudo foi um pedido de deputados que consideraram alarmante a evolução da dívida no período de 1991 a 2004. De cerca de R$ 408,7 bilhões (em valores atuais) em janeiro de 1991, a dívida líquida do setor público mais do que duplicou no fim de 2004, atingindo aproximadamente R$ 937 bilhões.