Painel Jurídico - Súmula Vinculante

Súmula Vinculante

Assunto muito debatido na atualidade, pouco se sabe que o projeto de atribuição do efeito vinculante às súmulas dos Tribunais Superiores há muito é ventilado no cenário jurídico e legislativo nacional.

O processo teve início na Constituinte de 1946, com projeto elaborado pelo Dr. Haroldo Valadão. Após, em 1963,como anteprojeto de Lei Geral de Aplicação de Normas Jurídicas, também de autoria do Dr. Haroldo Valadão. Foi também tema do anteprojeto do Código de Processo Civil, em 1964, de Alfredo Buzaid. Na revisão constitucional de 1993, o tema voltou à baila, porém, mais uma vez sem sucesso.

Somente em 2004, com o advento da Emenda Constitucional n° 45, de 8 de dezembro de 2004, mais conhecida como a Reforma do Poder Judiciário, foi acrescentado a Constituição Federal o artigo 103-A que instituiu a súmula com efeito vinculante, nestes termos:

"Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei."

Segundo o jurista Luís Flávio Gomes, súmula vinculante é a síntese ou enunciado de um entendimento jurisprudencial extraída (ou extraído) de reiteradas decisões no mesmo sentido.

De acordo com esse artigo da Carta Magna, somente o Supremo Tribunal Federal (STF) tem competência para editar a súmula vinculante, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, mediante decisão de dois terços dos seus membros em sessão plenária, ou seja, não é qualquer súmula editada pelo STF que terá efeito vinculante.

A edição da súmula vinculante se dará em assuntos que gerem controvérsias entre órgãos judiciários ou entre esses e a Administração Pública que acarretem grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre a mesma questão.

Tendo em vista que a Constituição Federal, no caput do artigo 103-A previu a regulamentação da súmula vinculante pelo Poder Legislativo, o STF teve de aguardar a regulamentação do dispositivo constitucional feito somente em 19 de dezembro de 2006, pela Lei n° 11.417. Ocorre que o STF só pôde colocar o enunciado em prática após o prazo de três meses de sua publicação, data em que a referida Lei entrou em vigor, em conformidade com o artigo 11.

A Constituição trouxe a previsão dos legitimados para provocar a aprovação, a revisão ou o cancelamento de súmula, que seriam os mesmos autorizados pelo art. 103 da Constituição Federal para propor Ação Direta de Inconstitucionalidade, sem prejuízo do que a lei viesse a estabelecer. A Lei n° 11.417/06 incluiu no rol constitucional o Defensor Público-Geral da União e os Tribunais Superiores, os Tribunais de Justiça de Estados ou do Distrito Federal e Territórios, os Tribunais Regionais Federais, os Tribunais Regionais do Trabalho, os Tribunais Regionais Eleitorais e os Tribunais Militares. Conforme pode-se verificar:

"Art. 3º São legitimados a propor a edição, a revisão ou o cancelamento de enunciado de súmula vinculante:

I - o Presidente da República;

II - a Mesa do Senado Federal;

III – a Mesa da Câmara dos Deputados;

IV – o Procurador-Geral da República;

V - o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;

VI - o Defensor Público-Geral da União;

VII – o partido político com representação no Congresso Nacional;

VIII – a confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional;

IX – a Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal;

X - o Governador de Estado ou do Distrito Federal;

XI - os Tribunais Superiores, os Tribunais de Justiça de Estados ou do Distrito Federal e Territórios, os Tribunais Regionais Federais, os Tribunais Regionais do Trabalho, os Tribunais Regionais Eleitorais e os Tribunais Militares."


Destaca-se que a súmula vinculante terá eficácia imediata, após sua publicação na Imprensa Oficial, contudo o Supremo Tribunal Federal, com o quorum de 2/3 (dois terços) dos seus membros, poderá restringir os efeitos vinculantes ou decidir que só tenha eficácia a partir de outro momento, tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse público.

Convém ressaltar que, no caso de revogação ou modificação da Lei em que se fundou o enunciado da súmula vinculante, o STF, de ofício ou por provocação, procederá a sua revisão ou cancelamento após analisar o caso concreto.

Ainda conforme a Lei que regulamentou a súmula vinculante, caberá reclamação ao STF de decisão judicial ou ato administrativo que contrariar enunciado da súmula, negando-lhe vigência ou aplicando-o indevidamente, sem prejuízo de outros recursos. Caso, o STF julgue a reclamação procedente, deverá anular o ato administrativo ou cassar a decisão judicial reclamada e determinar que outra seja providenciada com ou sem a aplicação da súmula, dependendo do caso concreto.

Na verdade, as três primeiras súmulas vinculantes editadas pelo Supremo Tribunal Federal entraram em vigor no início do mês de junho. Os Enunciados das súmulas dispõem sobre FGTS, bingos e loterias e processos administrativos no âmbito do Tribunal de Contas da União (TCU). Ressalta-se que esse texto expressa o entendimento firmado sobre esses assuntos e servirá de orientação para as decisões dos demais órgãos do Poder Judiciário e dos órgãos da Administração Pública.

A Súmula n° 1 trata da validade e da eficácia de acordo para recebimento de recursos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). Essa súmula impede que a Caixa Econômica Federal (CEF) seja obrigada pelo Poder Judiciário a pagar atualizações monetárias referentes aos planos econômicos em caso de prévio acordo realizado pelo correntista e o banco.

No caso da Súmula n° 2, o STF manifestou a inconstitucionalidade de Lei ou ato normativo estadual ou distrital que estabelece sobre bingos e loterias. Já a Súmula n° 3 dispõe sobre o direito ao contraditório e ampla defesa nos processos administrativos perante o TCU.

Na verdade, as súmulas vinculantes foram criadas para reduzir o excessivo número de processos no Supremo Tribunal Federal e para apressar os julgamentos nas demais instâncias dos Tribunais, assim, haverá maior agilidade e rapidez na efetivação da tutela jurisdicional. Com esse mesmo objetivo já foram criados os conhecidos métodos alternativos de solução de conflitos, como a mediação e a arbitragem. Na mesma esteira de evoluções, assistimos à criação e à consolidação dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais que, sem dúvida, contribuíram para a celeridade na resolução de muitas causas e a facilidade de acesso à justiça para toda a população.

Os que defendem a adoção da súmula vinculante buscam amparo nos Princípios da Economia e Celeridade processual. Também na Igualdade, visto que evitaria resultados diversos atribuídos a situações concretas idênticas.

Além disso, alguns doutrinadores argumentam que a utilização das súmulas vinculantes restringe os direitos dos cidadãos brasileiros e causa o "engessamento" da atividade jurisdicional. Ademais, a súmula vinculante também pode representar um empecilho ao trabalho dos advogados, uma vez que o impede de derrubar um entendimento já sedimentado tornando-se verdadeiro óbice ao amadurecimento da Jurisprudência.

Outro ponto a ser debatido diz respeito ao atropelo de princípios constitucionais e processuais, que representam algumas das maiores conquistas da sociedade brasileira. Ora, as súmulas vinculantes representam verdadeira afronta ao Princípio da Separação dos Poderes, estabelecido no artigo 2° da Constituição Federal de 1988. Também, infringido está o Princípio da Legalidade, explicitado no artigo 5º, II, da Magna Carta, ou seja, "que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei". Lesiona-se o Princípio do Devido Processo Legal e do Contraditório, amplo e irrestrito; além do Princípio do Duplo Grau de Jurisdição e da Recorribilidade das decisões.

No entanto, sabemos que a morosidade do judiciário não é causada somente pelo excesso de ações repetitivas, mas também pela falta de servidores e magistrados para cobrir a demanda existente. Também contribuiu o sistema recursal extremamente longo e que, muitas vezes, é usado indevidamente com caráter meramente protelatório.

Sabe-se apenas que essa é mais uma tentativa de evitar recursos meramente protelatórios, conferindo maior rapidez ao deslinde das ações judiciais. O tema está em franco debate e é extremamente necessário para verificar se a adoção da súmula vinculante não representa um risco aos direitos e garantias conquistados pela sociedade, frente à necessidade de uma prestação jurisdicional mais rápida e efetiva, atendendo aos anseios da população.

Vanessa Achtschin Soares da Silva
Ana Paula Dantas Magno

Advogadas do SINDIRECEITA

SÚMULA VINCULANTE N° 01
FGTS
OFENDE A GARANTIA CONSTITUCIONAL DO ATO JURÍDICO PERFEITO A DECISÃO QUE, SEM PONDERAR AS CIRCUNSTÂNCIAS DO CASO CONCRETO, DESCONSIDERA A VALIDEZ E A EFICÁCIA DE ACORDO CONSTANTE DE TERMO DE ADESÃO INSTITUÍDO PELA LEI COMPLEMENTAR 110/2001.
SÚMULA VINCULANTE N° 02
Bingos e Loterias
É INCONSTITUCIONAL A LEI OU ATO NORMATIVO ESTADUAL OU DISTRITAL QUE DISPONHA SOBRE SISTEMAS DE CONSÓRCIOS E SORTEIOS, INCLUSIVE BINGOS E LOTERIAS.
SÚMULA VINCULANTE N° 03
Processos administrativos no TCU
NOS PROCESSOS PERANTE O TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, ASSEGURAM-SE O CONTRADITÓRIO E A AMPLA DEFESA QUANDO A DECISÃO PUDER RESULTAR DA ANULAÇÃO OU REVOGAÇÃO DE ATO ADMINISTRATIVO QUE BENEFICIE O INTERESSADO, EXCETUADA A APRECIAÇÃO DA LEGALIDADE DO ATO DE CONCESSÃO INICIAL DE APOSENTADORIA, REFORMA E PENSÃO.