Uma nova rota

Uma nova rota

Em dois anos, o Brasil poderá ter uma nova rota de exportações de produtos. Com a conclusão da rodovia interoceânica, que ligará a fronteira norte brasileira aos portos peruanos de Ilo, Matarani e San Juan, a rota comercial para os países da Ásia será encurtada em aproximadamente 6 mil quilômetros. Mas, junto com as possibilidades que se abrem com essa nova oportunidade de escoamento da produção surge a necessidade do governo federal de antecipar medidas de controle aduaneiro. Para discutir esse tema, o Sindicato Nacional dos Analistas-Tributários da Receita Federal do Brasil (Sindireceita), reuniu, em Rio Branco, no Acre, autoridades brasileiras e peruanas.

Durante dois dias, os vários aspectos ligados a construção da estrada foram abordados por políticos, especialistas das áreas de infra-estrutura, logística, comércio exterior, controle aduaneiro e repressão a ilícitos como contrabando e pirataria. Para o presidente do Sindireceita, Paulo Antenor de Oliveira, a realização do seminário “Saída para o Pacífico e áreas de livre comércio – Oportunidades de Integração e Desenvolvimento”, marca a atuação do Sindicato e da categoria. “Nosso objetivo é justamente antecipar o debate e, com isso, ajudar a prevenir problemas que podem surgir como o crescimento do contrabando, do tráfico de drogas e armas e a pirataria nas áreas cortadas pela rodovia”, destacou. Paulo Antenor lembrou que a abertura de uma nova rota de comércio traz benefícios econômicos e sociais aos países, mas não se pode ignorar que junto com mercadorias e produtos essenciais ao desenvolvimento, podem vir também armas, drogas, munição e produtos piratas. “Temos que nos prevenir. Órgãos como a Receita Federal e as polícias devem se preparar para o aumento da demanda e para atuar de forma efetiva no controle e na repressão de ilícitos”, destacou.


Presidente do Sindireceita destacou que é preciso reforçar a atuação de órgãos como a RFB
Paulo Antenor ressaltou ainda que é essencial debater o tema com toda a sociedade e com representantes dos governos. Segundo ele, é preciso definir claramente as formas de atuação de cada agente, para que esse processo possa garantir a ampliação das relações comerciais e sociais entre os dois países e, ao mesmo tempo, manter a segurança e o respeito às Leis. “Entendemos que nesse aspecto a Receita Federal e os Analistas-Tributários têm dois papéis essenciais: o da facilitação do comércio exterior e o da repressão aos crimes de contrabando, pirataria e tráfico de drogas e armas”, destacou.

Ainda durante a abertura do Seminário, o embaixador do Peru no Brasil, Hugo de Zela, assumiu o compromisso de trabalhar diretamente, junto com representantes do Brasil no estado do Acre, para acelerar o processo de integração econômica, social e cultural. O embaixador destacou o bom momento econômico vivido pelo Peru e acrescentou que a relação entre os dois países tem todos os elementos para prosperar. “O Peru é um país confiável e em franco desenvolvimento. Temos muito a oferecer ao Acre e a todo Brasil”, disse.

Ainda na abertura do seminário o representante do Conselho Nacional do Desenvolvimento do Comércio Exterior do Peru, Francisco Ruiz, informou que o andamento das obras está dentro do cronograma previsto. Segundo ele, até o final de 2010 a nova rota deverá ser inaugurada.

Participaram da abertura do seminário em Rio Branco (AC), realizada no dia 6 de junho, os deputados federais Sérgio Petecão (PMN/AC) – líder do bloco PSB, PDT, PC do B, PMN e PRB- Perpétua Almeida (PCdoB/AC), Ilderlei Cordeiro (PPS/AC) – presidente da Comissão Parlamentar Brasil-Peru - o presidente da Assembléia Legislativa do Acre, Edvaldo Faria (PCdoB/AC), o secretário de Fazenda do Acre, Mâncio Lima, o superintendente da Receita Federal do Brasil na 2ª Região Fiscal, José Barroso Tostes, e o embaixador do Peru no Brasil, Hugo de Zela, e várias autoridades, empresários e políticos dos dois países.

Saída para o Pacífico reduzirá custo de transporte das exportações nacionais

Mauro de Brito disse que a
RFB está adquirindo 37 scanners que vão melhorar o controle aduaneiro
A conclusão da rota interoceânica para o Pacífico deve reduzir em até US$ 30 o custo médio da tonelada de produto exportado pelo Brasil para os países da Ásia. De acordo com o diretor de Planejamento do Departamento Nacional de Infra-estrutura de Transportes (DNIT), Miguel Souza, a nova rota será uma alternativa para o escoamento da produção das regiões norte e centro-oeste brasileiro pelo oceano Pacífico. Souza acredita que parte da produção de soja, carne, biocombustíveis, etanol e produtos industrializados poderão ser embarcados em outros portos. Hoje, esses produtos são direcionados para os portos de Santos, em São Paulo, e de Paranaguá, no Paraná. Mas para chegarem até lá, percorrem longos distâncias em rodovias, o que encarece o custo de transporte e amplia o prazo de exportação. Miguel Souza participou, em Rio Branco (AC), do seminário “Saída para o Pacífico”, promovido pelo Sindireceita. Em sua apresentação, no painel que tratou da infra-estrutura e logística, Souza destacou que o Brasil precisa buscar alternativas mais viáveis e baratas para o escoamento da produção. “Aqui, temos um grande potencial para criar um modal de exportação que inclui ferrovias, hidrovias, portos e aeroportos. Com certeza, a consolidação desse projeto trará vantagens competitivas para todos os países do continente, e não apenas para o Brasil”, disse.

Segundo ele, a idéia é incrementar inicialmente a corrente comercial entre o Brasil e o Peru e, em seguida, promover a integração entre os mercados do Brasil e Ásia. Segundo Miguel de Souza, o trecho brasileiro da rodovia já foi concluído e parte de Rio Branco, Acre, até a fronteira. São 220 quilômetros que já estão asfaltados. A ligação é feita pelo rodovia BR 317. Ainda de acordo com Souza, para a conclusão da obra, pelo lado peruano, restam 50% do trecho. Quando estiver terminada a estrada terá mais de 2,5 mil quilômetros e fará a ligação da capital acreana, passando por Iñaparai, na fronteira, até os portos do Pacífico. O custo total da obra é de US$ 700 milhões.

O representante do Ministério de Comércio Exterior e Turismo do Peru, Francisco Ruiz, acrescentou que a nova rota permitirá ao Brasil tirar proveito dos acordos comerciais que o Peru mantém com os Estados Unidos, Canadá, Cingapura, China, Tailândia, Coréia do Sul, Índia, Japão e União Européia. “O Peru tem uma série de acordos concluídos e outros sendo acertados com vários países. Essa é uma oportunidade para que as exportações brasileiras possam ser comple-mentadas a partir das preferências tarifárias do Peru”, disse.

Francisco Ruiz disse ainda que o governo peruano estuda construir uma rota alternativa ao trecho projetado da obra, que prevê o traçado entre os municípios peruanos de Puerto Maldonado e Cuzco. O problema é que para concluir o trajeto de 510 quilômetros, a estrada passa em meio a Amazônia peruana e segue pela Cordilheira dos Andes. A intenção, de acordo com Ruiz, é que uma outra estrada faça a ligação entre Rio Branco até Puerto Maldonado, e de lá, siga até o porto de Ilo, no sul do Peru, reduzindo o percurso em 400 quilômetros. Segundo Ruiz, também estão sendo feitos investimentos nos portos peruanos, para que possam atender o aumento da demanda. Hoje, esses portos movimentam mais de um milhão de contêineres por ano. “Nossa intenção é duplicar a capacidade de atendimento dos portos peruanos até 2011, quando a rota deve começar a ser efetivamente utilizada”, afirma ele.

Nova rota interroceânica exigirá mudanças nos governos dos dois países

Embaixador do Peru destaca que a burocracia dificulta a integração entre os dois países
A abertura da rota comercial pelo oceano Pacífico, através de Rio Branco (AC), passando pelo Peru, exigirá das autoridades dos estados do Norte uma atuação mais efetiva. Representantes do governo do Acre, deputados federais, estaduais e empresários esperam pela conclusão da obra. O deputado federal Sérgio Petecão (PMN/AC) - líder do bloco PSB, PDT, PC do B, PMN e PRB – avalia que será preciso investir na qualificação da mão-de-obra local. “A integração atlântico-pacífico abrirá excelentes alternativas de negócios na região e isso irá provocar um importante aumento na oferta de empregos. Por outro lado, temos que começar a nos preparar. Se não investirmos em formação de mão-de-obra estaremos gerando empregos para pessoas de fora do estado, que virão ocupar esses cargos”, destacou.

O deputado que também é vice-presidente da Comissão da Amazônia da Câmara dos Deputados, participou do seminário realizado em Rio Branco (Acre) e em Puerto Maldonado (Peru). Além do deputado Petecão, participaram do seminário os deputados federais Ilderlei Cordeiro (PPS/AC) - presidente da Comissão Parlamentar Brasil-Peru -, Gladson Cameli (PP/AC), Fernando Melo (PT/AC) e estadual Luiz Gonzaga (PSDB).

Segundo Petecão a ligação entre os dois países precisa ser feita, mas é essencial respeitar o desenvolvimento sustentável e os direitos humanos. “A participação do Acre na integração já acontece. O governo do estado teve um empenho fundamental com a construção da BR-317. Agora, precisamos colocar a integração em prática”, disse.

O presidente da Assembléia Legislativa do Acre (Aleac), deputado Edvaldo Magalhães (PCdoB), destacou os problemas com o transporte de mercadorias que ainda existem entre os dois países. De acordo com ele, por conta de entraves burocráticos não há comércio de mercadorias entre municípios fronteiriços. “Hoje, o quilo de tomate em Cruzeiro do Sul custa R$ 8,00. Se a burocracia não fosse tanta, poderíamos importar esse e outros alimentos de Pucalpa, no Peru, ao custo de R$ 1,00 o quilo. Parece tão fácil, mas até hoje não conseguimos resolver essa situação”, disse.

Já o representante do governo do estado, secretário de Fazenda Mâncio Lima, disse que a discussão promovida pelo seminário é importante para que dificuldades burocráticas de integração sejam superadas. “A integração com o Peru não vai afetar somente o Acre e os locais por onde passa a Estrada do Pacífico, o Brasil inteiro será beneficiado por essa nova relação internacional”, ressaltou.


Francisco Ruiz afirma que a intenção é duplicar a capacidade dos portos peruanos até 2011
Durante a abertura do encontro, foram apresentados vários exemplos de problemas enfrentados pelos dois países. Além da dificuldade para comercialização de alimentos, empresários dos dois lados da fronteira reclamam dos entraves sofridos por outros setores como da construção civil que sofrem com a impossibilidade de venda de produtos como pedras e cimento.

O presidente da Assembléia Legislativa disse que é preciso solucionar todos esses problemas junto com o governo peruano. Ele citou outro exemplo que é a reforma do aeroporto de Puerto Esperanza, nas margens do rio Purus, acima de Santa Rosa, que está usando cimento que chega ao custo de R$ 100 a saca transportada de avião, porque a complicação legal não permite que o produto brasileiro passe por Sena Madureira, no Acre. “Atos políticos como este seminário precedem a construção de uma cultura onde cada um de nós políticos e população precisamos tomar consciência de que é necessário vencer a burocracia que só atrapalha”, destacou.

O embaixador do Peru no Brasil, Hugo Martinez, lamentou que embora se fale na integração comercial e cultural entre estes dois países, pouco de prático tem sido feito para que isto se consolide. “Eu, pessoalmente, me comprometo a trabalhar em parceria com os deputados federais e senadores brasileiros para que superemos as dificuldades burocráticas e possamos consolidar a integração entre Brasil e Peru em benefício de nossos povos”, disse. O embaixador destacou ainda que durante séculos Brasil e Peru ficaram de costas, um para o outro, quando tem uma ligação natural capaz de materializar o sonho bolivariano de integração Latino Americana. “Embora haja em parte da classe política e empresarial essa visão integracionista, a população ainda não tomou consciência da importância e da necessidade de que se mobilize exigindo sua consolidação que beneficiará a todos”.

Outro problema, segundo ele, é a falta de informações de ambas as partes. “Empresários peruanos desconhecem as oportunidades específicas de seu interesse para investirem no Acre e o mesmo acontece com relação aos empresários acreanos com relação ao Peru. Eu mesmo, só agora descobri que vocês têm necessidade do cimento e das pedras que temos para oferecer. Está situação é muito representativa de que a falta de informação nos impede de ver as ótimas oportunidades de negócio que estão à nossa frente”. O embaixador disse ainda que o Peru já fez tudo o que seria possível para facilitar o transporte aéreo, mas do lado brasileiro as taxas aeroportuárias para vôos internacionais custam muito caro, por isso, é necessário dar a estes vôos tratamento idêntico ao nacional como seu país já permite às aeronaves brasileiras. Ele destacou ainda que a condição natural do Peru favorece a geração de energia elétrica. “Enquanto o Brasil necessita de energia para alimentar seu crescimento, o Peru oferece 14 projetos de hidrelétricas que juntas produziriam mais de 19 mil megawatts para ser integrados ao sistema brasileiro de energia se os empresários brasileiros acreditarem e investirem nelas”, destacou.

Fiscalização

Paulo Antenor lembrou que a nova rota de comércio trará benefícios econômicos e
sociais aos países
Os participantes do seminário também discutiram a atuação dos órgãos de fiscalização e controle na fronteira dos dois País. Pelo lado brasileiro o posto fiscal de Assis Brasil, no Acre, já está em operação. Mas, do lado peruano, ainda é preciso concluir o posto que fica localizado no município de Iñapari. De acordo com o embaixador Hugo Martinez, ainda falta construir um prédio onde os serviços de fiscalização aduaneira, sanitária e de segurança irão funcionar de forma conjunta. De acordo com ele, a obra será concluída este ano.

O diretor de Estudos Técnicos do Sindireceita, Rodrigo Thompson, destacou que com a abertura da Estrada do Pacífico o Acre se transforma em ponto estratégico para garantir o ritmo de crescimento dos negócios brasileiros cada vez mais voltados aos países da Ásia. “Além do comércio de produtos e serviços, o turismo ganhará cada vez mais importância a médio e longo prazos. O Governo passado e este tem investido na criação de novos pólos de desenvolvimento em todo o Brasil e não tenho dúvidas de que o Acre atingirá esse objetivo olhando primeiro para o mercado andino e depois para os países da Comunidade Econômica do Pacífico”.

Thompson destacou ainda que todo esse movimento na fronteira exigirá uma atuação mais efetiva dos órgãos de controle de fiscalização. “A enorme extensão de nossa fronteira facilita para que hajam muitos pontos de evasão e descaminho de mercadorias causando enormes prejuízos ao País. Hoje, temos pouco mais de três mil servidores trabalhando ao longo da fronteira e para que essa fiscalização seja mais eficiente é necessário mais do que dobrar esse número”, finalizou.

Durante os debates, o Coordenador-Geral de Vigilância e Repressão da Receita Federal do Brasil (Corep/RFB), Mauro de Brito, disse que a Receita Federal do Brasil (RFB) está ampliando sua atuação nas fronteiras. A intenção, de acordo com Brito, é agilizar ao máximo os procedimentos de liberação de mercadorias e, ao mesmo tempo, ampliar o rigor na fiscalização. Brito destacou que a RFB pretende adquirir 37 scaneers de carga, que serão instalados em portos, aeroportos, pontos de fronteiras e estradas. A RFB deve investir mais de R$ 300 milhões na compra dos equipamentos para ajudar no controle das exportações e importações brasileiras. De acordo com Brito, os equipamentos são capazes de scanear um contêiner e identificar a natureza dos produtos, volume e comparar as informações com a descrição da nota fiscal e guias de importação, em questão de segundos. Brito lembrou que hoje procedimentos dessa natureza podem levar o dia todo, dependendo da natureza do produto. Mauro de Brito participou do painel “Controle dos Riscos e Segurança: O problema do contrabando e da pirataria”, que integrou a programação do seminário “Saída para o Pacífico”.