Crime de pedofilia

Crime de pedofilia

CPI identifica mais de 800 suspeitos
Em menos de três meses de trabalho, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pedofilia do Senado Federal identificou cerca de 800 suspeitos de praticar o crime de pedofilia. Os suspeitos são usuários do site de relacionamentos Orkut e foram detectados após a quebra de sigilo de 3.261 álbuns fornecidos pelo Google à CPI. Os senadores também solicitaram a quebra de sigilo de informações pessoais, entre eles, os sigilos telefônico e bancário dos usuários suspeitos. Para isso, a CPI conta com o apoio de técnicos e delegados da Polícia Federal, especializados em crimes cibernéticos, e ainda com o apoio do Ministério Público Federal. “Nós quebramos os sigilos dos álbuns e é lamentável. Achei que não ia encontrar nada pior na minha vida do que o narcotráfico. O que tem naqueles álbuns é terrível. Tem uns doze dias que tenho dor de cabeça constante. Para se ter uma idéia, tem um caso de uma autoridade brasileira que só abusa de neném de colo, de neném de sessenta dias”, queixa-se o presidente da CPI da Pedofilia, senador Magno Malta (PR/ES), que também presidiu a CPI do Narcotráfico, em 1999, na época como deputado federal.

A CPI foi instalada em 25 de março, com o objetivo de investigar e apurar a utilização da rede mundial de computadores na prática da pedofilia no Brasil. Com a Internet, novas formas de exploração sexual surgiram e os pedófilos aproveitam as facilidades desse meio para assediarem crianças e adolescentes. O principal desafio da CPI será, portanto, atualizar a legislação penal defasada com os avanços tecnológicos na área dos crimes sexuais.

Segundo pesquisa divulgada pela ONG Safernet, cerca de 90% das denúncias de pedofilia registradas no ano passado tinham relação com o conteúdo do Orkut, atualmente o serviço privado de Internet mais popular do Brasil e mais acessado, com 27 milhões de usuários. No site, os suspeitos utilizam o sistema de “tranca” dos álbuns para disseminar e trocar imagens contendo pedofilia, entre outros crimes. Ainda de acordo com a pesquisa, entre 2006 e 2007, as denúncias sobre pornografia infantil aumentaram mais de 120%. Em 2008, a ONG já recebeu mais de 35 mil denúncias.

O presidente da CPI da Pedofilia concorda que o Orkut é o grande responsável pelo aumento do crime de pedofilia no País. “Criança e adolescente abaixo de 18 anos não pode ter Orkut. Computador não pode ficar no quarto, tem que ser na sala. Você tem de saber com quem seu filho está falando, aliás, Orkut você tem que apagar. Eles conversam com uma criança de 8, de 10, de 12 anos como se tivessem a mesma idade e criam uma amizade. Existem crianças que estão internadas fazendo tratamento psiquiátrico, outras estão enlouquecidas. Essas crianças foram aliciadas dentro de casa”, alerta o senador.

Dados do Ibope//NetRatings, divulgados no mês de maio, confirmam o interesse de crianças pelos sites de comunidades. Entre 2007 e 2008, a pesquisa revela que o acesso de crianças brasileiras na Internet, de 2 a 11 anos, aumentou 33%, seguido pelos adultos entre 35 e 49 anos, com crescimento de 15%. O estudo também informa que as redes sociais levam o brasileiro a consumir mais Internet e o país continua com o maior consumo individual, tanto em tempo de navegação, quanto em média de páginas por pessoa. Em abril de 2008, 22,4 milhões de pessoas usaram a Internet residencial, um aumento de 41,3%, em relação ao mês de abril de 2007. O tempo de navegação mensal por pessoa registrado pela pesquisa foi de 22 horas e 47 minutos, 4,9% a mais na comparação com abril do ano passado. Os países que mais se aproximaram do Brasil em tempo de navegação foram a França, com 20 horas e 12 minutos, e os Estados Unidos, com 19 horas e 33 minutos.

Brechas na legislação


Para o senador Magno Malta a crença na impunidade é que fez com que a Internet se tornasse o paraíso da pedofilia no Brasil
A legislação brasileira em vigor não tipifica a pedofilia como crime e também não há uma legislação específica para crimes cibernéticos, o que dificulta a identificação e a punição dos criminosos. Em 2004, a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) da Exploração Sexual já havia identificado algumas lacunas na legislação, devido à antiguidade do Código Penal Brasileiro. O Projeto de Lei 4850/2005, proposto pelos parlamentares da CPMI, corrige falhas do Código Penal e também do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). O PL 4850/2005 foi aprovado pelos deputados federais no último dia 14 de maio. O texto retornou ao Senado Federal para nova apreciação porque recebeu emendas.

Uma dessas brechas está relacionada ao artigo 241 do ECA que classifica como ato criminoso o fato de “apresentar, produzir, vender, fornecer, divulgar ou publicar, por qualquer meio de comunicação, inclusive rede mundial de computadores ou Internet, fotografias ou imagens com pornografia ou cenas de sexo explícito envolvendo criança ou adolescente”. No entanto, aquele que guardar, portar e acumular imagens dessa natureza em mídia virtual não é passível de punição, desde que não seja pego em flagrante e que fique provado que não repassou o material a terceiros. “Essa crença na impunidade é que fez com que a Internet se tornasse o paraíso da pedofilia no Brasil. Você pode estar cheio de pornografia contra a criança, mas se não for pego teclando você não pode ser preso”, afirma o senador.

Além disso, uma das maiores contradições foi introduzida no ECA pela Lei 9.975, de 2000, no artigo 244-A, que prevê pena de 4 a 10 anos para quem submeter criança ou adolescente à prostituição ou à exploração sexual. O verbo “submeter” utilizado no artigo gera interpretações diversas fazendo com que o cliente da exploração, nos casos de adolescentes acima de 14 anos, não seja passível de punição. “Hoje a lei diz que você pode aliciar uma criança e oferecer para alguém usar. Quem abusou da criança não cometeu crime, o criminoso é quem levou. Isso cria desespero na gente. Sou legislador, mas quando cheguei aqui isso já existia. Tem muita coisa ruim, muita coisa velha, que necessita mudar”, destaca o presidente da CPI.

Outro fator que apenas dificulta o combate à pedofilia está previsto no artigo 225 do Código Penal. De acordo com o artigo, um processo judicial por abuso sexual só pode ser instaurado mediante denúncia da própria vítima ou de um familiar. O PL 4850/2005 institui a ação penal pública para todos os crimes sexuais cometidos contra crianças e adolescentes, impetrada pelo Ministério Público, mesmo sem a vontade da família.

Outros fatores que prejudicam a punição dos criminosos estão no Código Penal. O artigo 109 permite que os crimes de abuso e exploração sexual prescrevam antes da conclusão do processo. Além disso, o favorecimento da exploração sexual de pessoas vulneráveis é delito previsto no ECA, mas omisso no Código Penal, o que prejudica a punição dos que contribuem de alguma forma para a prática de pedofilia.

O senador Magno Malta disse que a CPI vai propor que o crime de pedofilia torne-se crime hediondo, pena de 30 anos e ainda uma pulseira eletrônica que, uma vez condenado, o pedófilo será obrigado a usar até a morte. “Ele será rastreado mesmo depois de cumprir sua pena. A sociedade tem regras a serem observadas e o limite é a lei, muitos desses crimes acontecem porque existe a impunidade, não existe a lei e, quando existe, é muito frouxa. Temos tantos benefícios para um criminoso que vale a pena delinqüir. É preciso que reajamos a isso”.

De acordo com Malta, a CPI também irá propor que todo aquele que cometa crime contra a criança ou crime de natureza hedionda perca os privilégios da primariedade. “Com curso superior tem que pagar mais do que os outros porque teve a oportunidade de estudar, tem discernimento inclusive da lei. Vamos criar todas essas condições dentro de um projeto de lei: criminalizar quem porta, quem fotografa, quem tem, quem carrega, quem transporta, tudo que envolver isso”, comentou.

Tratamento às vítimas
A Organização Mundial de Saúde (OMS) define a pedofilia como doença, distúrbio psicológico e desvio sexual que caracteriza-se pela atração sexual de adultos e adolescentes por crianças. O simples fato de sentir desejo por uma criança já caracteriza a pedofilia. Já o abuso sexual infantil é definido como a exposição de uma criança a estímulos sexuais impróprios para a sua idade, seu nível de desenvolvimento psicossocial e seu papel na família.

Por não estar preparada psicologicamente para o estímulo sexual, geralmente a criança acaba desenvolvendo problemas emocionais depois do ato de violência sexual. Além dos sinais físicos, as crianças abusadas ficam aterrorizadas, se sentem confusas, culpadas e com medo de contar sobre o incidente. Elas também podem desenvolver, entre outros fatores, a perda da auto-estima, ficarem deprimidas, rebeldes, se isolarem dos amigos e da família, achar que têm o corpo sujo ou contaminado, demonstrar interesse excessivo por assuntos de natureza sexual e negar-se a freqüentar lugares e a praticar atividades que antes faziam parte de sua rotina. Na maioria dos casos, o abusador é um familiar ou conhecido da criança. “Quem é esse tio que anda tanto com sua filha? Quem é esse vizinho que gosta mais de um filho seu do que do outro? Por que quando fala na escola seu filho não quer ir e começa a chorar? Ou não quer ir mais para a igreja? Por que o seu filho ficou tão agressivo de repente se ele era dócil?”, questiona o senador Magno Malta citando algumas alterações de comportamento que podem indicar que uma criança, ou um adolescente, é vítima de abuso sexual.

Dessa forma, o presidente da CPI informou que os senadores pretendem criar condições para que a vítima se reabilite. “Estamos propondo tratamento psicológico, tratamento para aquele que sofreu o abuso. Para o criminoso você dá uma pena mais pesada, mas e a vítima?”, ressaltou.

Especialistas destacam a importância do tratamento para reduzir problemas mais sérios no futuro pois, em muitos casos, o pedófilo também sofreu abuso, violência ou tem histórico de autoritarismo na infância. “Queremos criar meios de ajudar a criança a sair do trauma por meio do diálogo e de uma rede de proteção afetiva”, informa o senador.

Denuncie – disque 100
Criado em 1997, sob a coordenação da Associação Brasileira Multidisciplinar de Proteção à Criança e ao Adolescente (Abrapia), o disque 100 é o serviço de abrangência nacional e gratuito que recebe denúncias de violência sexual praticadas contra crianças e adolescentes e as encaminham às autoridades competentes, preservando o anonimato do autor da ligação. Em 2003, o disque 100 passou a ser coordenado pela Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, em parceria com o Ministério da Saúde, que disponibiliza a estrutura do Call Center (Centro de Teleatendimento). O serviço funciona todos os dias da semana, inclusive feriados, das 08h00 às 22h00. Pelo número o cidadão também pode obter informações sobre o que são e como funcionam os Conselhos Tutelares, além do telefone do órgão mais próximo da sua casa.

A Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República (SEDH) afirma que os cidadãos estão cada vez mais conscientes e atentos ao problema, o que contribui para o aumento de denunciantes de crimes dessa natureza. Pesquisa da SEDH aponta que houve um crescimento de 80% nas denúncias feitas ao Disque 100 em 2007, em relação ao ano anterior. Em 2006 foram registrados 13.823 casos, contra 24.924 no ano passado.