Sem acordo com os estados, reforma tributária não sairá

Sem acordo com os estados, reforma tributária não sairá

Guilherme Afif Domingos defende mais transparência na arrecadação e nos gastos dos impostos da União, estados e municípios


Fotos: Eliana Rodrigues
Há quatro anos um grupo de empresários resolveu instalar no centro velho de São Paulo um painel para registrar os valores pagos em impostos arrecadados pela União, estados e municípios. Conhecida como “Impostômetro”, a ação foi inspirada na história da Inconfidência Mineira que teve como centro a luta contra a cobrança pela coroa portuguesa de impostos. Na época, Portugal recolhia 20% de toda a produção das minas, contribuição que ficou conhecida como “quinto”. Com a ação, o que se pretende é conscientizar a população e cobrar a redução da carga tributária que passou de 36% no Brasil. Um dos principais articuladores da iniciativa foi o ex-presidente da Associação Comercial de São Paulo e hoje secretário de Emprego e Relações do Trabalho de São Paulo, Guilherme Afif Domingos.

No primeiro mês de 2009, o “Impostômetro” registrou o crescimento da arrecadação da União, estados e municípios em comparação com janeiro de 2008. Na sexta-feira, dia 30 de janeiro, o painel marcou R$ 100 bilhões, enquanto em 2008, os mesmos R$ 100 bilhões foram atingidos no dia 5 de fevereiro. Apesar do crescimento, o “termômetro” já aponta para uma desaceleração como efeito da crise econômica. Além de ser informado sobre o volume de impostos recolhidos pelo Estado, na opinião do secretário, é um direito do cidadão saber os impostos que paga em cada compra. Ele defende que, em cada cupom fiscal, venha discriminado o valor recolhido. Segundo ele, essas ações são essenciais para conscientizar a população sobre o impacto da carga tributária.

Afif Domingos também defende que é preciso simplificar o sistema tributário nacional. Nesta entrevista, o secretário de Trabalho e Emprego de São Paulo diz que, apesar da necessidade do País, não há garantias de que a reforma tributária possa ser aprovada este ano. Ele também critica a proposta que está em discussão no Congresso Nacional. Para Afif, o momento exige do governo medidas imediatas para amenizar os efeitos da crise econômica internacional. Ele propõe a redução de impostos que possam incentivar o consumo, como o IOF e um alívio para os contribuintes no Imposto de Renda.

TRIBUTU$ - O senhor acredita que será possível aprovar a reforma tributária ainda este ano?

Guilherme Afif - Acho muito difícil a aprovação da reforma tributária este ano porque falta costurar um acordo com os governadores dos principais estados com relação às mudanças propostas.

TRIBUTU$ - Qual a avaliação que o senhor faz da proposta apresentada pelo governo e que foi aprovada na Comissão Especial da Câmara?

Guilherme Afif - Embora se proponha a simplificar o sistema com a unificação de alguns impostos, não há segurança de que isso venha efetivamente a acontecer. Ainda há o risco de, ao se fixar as alíquotas dos tributos, ocorrer aumento da carga tributária.

TRIBUTU$ - Quais os principais problemas da proposta e onde seria possível evoluir?

Guilherme Afif - A maior dificuldade de qualquer projeto de reforma está no ICMS, que é um imposto característico de estado unitário, e que oferece muitas dificuldades de aplicação em um estado federativo como o Brasil. A proposta de mudar a incidência do ICMS da origem para o destino implica significativas transferências de renda, com perdas expressivas para alguns estados que dificilmente poderão ser compensadas com recursos da União. Isso levaria a um aumento do tributo em muitas unidades da federação.

TRIBUTU$ - Essa reforma terá condições de resolver os problemas do sistema tributário nacional?

Guilherme Afif - Nenhuma reforma que pretenda manter o atual nível da carga tributária resolverá os problemas do sistema tributário nacional. Pode-se, no entanto, atuar pontualmente para melhorar o sistema.

TRIBUTU$ - O senhor conduziu uma das principais iniciativas para esclarecer a população sobre o peso da carga tributária no País. Qual avaliação o senhor faz dos resultados obtidos com a campanha do Impostômetro?

Guilherme Afif - O Impostômetro tem ajudado a chamar a atenção da população para o fato de que ela paga muito imposto. Mas ainda é necessário aumentar a transparência do sistema com a aprovação do projeto que determina que o valor dos impostos pagos pelo consumidor conste na nota fiscal.

“A maior dificuldade de qualquer projeto de reforma está no ICMS, um imposto característico de estado unitário, que oferece muitas dificuldades de aplicação em um estado federativo como o Brasil”

TRIBUTU$ - Na sua opinião, que medidas poderiam ser adotadas para reduzir a carga tributária?

Guilherme Afif - Enquanto não se equacionar o lado das despesas, não se conseguirá reduzir a carga tributária, que é a outra face do gasto. Quando o governo gasta, a sociedade paga. Seja pela tributação, pela inflação ou pelo endividamento que, inevitavelmente, converte-se em tributação.

TRIBUTU$ - O governo criou a Receita Federal do Brasil como forma de aumentar a eficiência da administração tributária brasileira. O senhor acredita que esse é o caminho? Em sua avaliação, houve alguma evolução no sistema tributário brasileiro após a criação da chamada Super-Receita?

Guilherme Afif - Para os contribuintes que sempre cumpriram com suas obrigações fiscais não houve qualquer alteração. Com a unificação, esperava-se que a burocracia pudesse ser reduzida para o contribuinte, o que até agora não ocorreu.

TRIBUTU$ - Além da carga tributária elevada, os setores produtivos também reclamam muito da burocracia e das elevadas exigências para que uma empresa cumpra com suas obrigações. O senhor vê alguma melhora nesse aspecto ou nenhuma mudança significativa foi tomada para tornar menos complexo o sistema tributário nacional?

Guilherme Afif - Com a evolução da informática e das comunicações, esperava-se que os órgãos públicos passassem a intercomunicar e a reduzir exigências de planilhas e demonstrativos das empresas, o que não ocorreu. Pelo contrário: constata-se a "informatização da burocracia” com a nota fiscal eletrônica e o SPED (Sistema Público de Escrituração Digital) que representam custos elevados para as empresas menores que não estão no regime do Simples. A empresa média vem sendo esmagada - de um lado pela concorrência e de outro pelos ônus maiores da burocracia fiscal que, para seu volume de faturamento, acaba sendo muito pesada.

TRIBUTU$ - Que medidas tributárias deveriam ser tomadas neste momento de crise econômica?

Guilherme Afif - A redução de impostos que possam incentivar o consumo, como o IOF, que incide sobre as operações de crédito, e um alívio para os contribuintes no IR, permitindo, por exemplo, abater os juros pagos nos financiamentos além da correção dos limites para deduções.

TRIBUTU$ - Como secretário de Trabalho e Emprego de São Paulo, como o senhor analisa a divulgação dos últimos índices de desemprego e as notícias sobre aumento de demissões por todo o País? E que medidas o estado está tomando para evitar o crescimento do desemprego?

Guilherme Afif - As notícias sobre desemprego são preocupantes porque geram um comportamento mais cauteloso de quem está empregado, o que reduz o consumo. O estado de São Paulo adotou um conjunto de medidas visando diminuir demissões e estimular a criação de emprego.

“Com a evolução da informática e das comunicações, esperava-se que os órgãos públicos passassem a se intercomunicar e a reduzir exigências de planilhas e demonstrativos das empresas, o que não ocorreu.”

Para nortear políticas públicas, lançamos o Observatório do Emprego e do Trabalho, nova ferramenta estatística que mapeará mensalmente a situação real do mercado de trabalho. Com isso saberemos onde estão os problemas e usaremos os remédios exatos para combater cada doença.

TRIBUTU$ - Em sua opinião, o Brasil tem condições de sair desta crise rapidamente?

Guilherme Afif - O Brasil tem melhores condições do que a maioria dos países para sair dessa crise porque apresenta uma economia diversificada e um sistema financeiro sólido; é grande produtor de alimentos e possui um mercado interno bastante amplo. $