Combate à pirataria avançará sobre municípios

Combate à pirataria avançará sobre municípios

CNCP lança novo plano que prevê 23 projetos como foco na educação e na conscientização do consumidor
Municipalizar o combate à pirataria no Brasil. Essa é uma das propostas do Conselho Nacional de Combate à Pirataria (CNCP) do Ministério da Justiça (MJ). As ações estão previstas no plano lançado pelo Conselho que contempla 23 projetos e que também tem como foco na educação e na conscientização do consumidor sobre os malefícios de se comprar um artigo falsificado. As ações serão desenvolvidas, de 2009 a 2012, também com o apoio do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci) e em parceria com estados, municípios e iniciativa privada. O novo plano, de acordo com o secretário executivo do CNCP/MJ, André Barcellos, leva em conta a mudança no perfil da pirataria no Brasil, que com os avanços tecnológicos e sua maior interação com o crime organizado, vem ampliando sua atuação e falsificando praticamente todo o tipo de produto, inclusive medicamentos, instrumentos cirúrgicos e até peças de avião.

Segundo o secretário, quando se fala em combate à pirataria é preciso ter consciência que essa é uma luta de todos e que, nesse momento, é preciso envolver ainda mais os governos estaduais e, principalmente, os municípios. “O governo federal tem atuado nas zonas primárias (fronteiras, portos, aeroportos) e pontos de entrada dos produtos. As autoridades estaduais também têm colaborado criando delegacias especializadas. Já no âmbito municipal, um exemplo, é o controle das feiras populares. A administração local precisa ser envolvida. Mas esse é um tema novo, por isso temos que mostrar que o combate à pirataria é um bom negócio para o estado, para a sociedade e para o cidadão. Essa mobilização faz parte das diretrizes do Conselho”, disse. Barcellos destaca que foi feita uma seleção inicial de cinco cidades e, dependendo da receptividade das autoridades locais, serão realizadas ações conjuntas. “Não se trata simplesmente de delegação de responsabilidade ou de acusação da autoridade municipal. O combate à pirataria não pode existir sem parceria, seja ela público/privada ou público/público”, disse.

Barcellos acrescenta que, o Brasil, desde a criação do Conselho, tem promovido uma grande mobilização de órgãos do poder público e da sociedade civil para esse enfrentamento. De acordo com ele, o plano elaborado em 2005 foi importante ao estabelecer ações de repressão, educativas e econômicas. “Em torno do plano de 2005 houve uma mobilização muito grande de órgãos públicos numa ação conjugada da Receita Federal e Polícias. Desde então, o País tem batido todos os recordes de apreensões, estrangulando a entrada de produtos piratas. Mas, também há necessidade de se caminhar e avançar ainda mais no que diz respeito à contenção da demanda por esses produtos, e esse será um dos focos do novo plano estratégico”, disse. Nesta entrevista para a Tributu$, o secretário também destaca a parceria com o Sindireceita e a importância da campanha “Pirata: tô fora! Só uso original”.

TRIBUTU$ - Como está o trabalho do Conselho? Já é possível fazer uma avaliação dos resultados desses primeiros anos?

André Barcellos - O trabalho de combate à pirataria tem amadurecido bastante. Esse é também um assunto novo para todos os países indistintamente, e o Brasil, desde a criação do Conselho, tem promovido uma grande mobilização de órgãos do poder público e da sociedade civil para esse enfrentamento. O plano elaborado em 2005 foi muito feliz porque previu três vertentes, uma para conter a oferta do produto pirata, ou seja, repressão, e outras duas nas áreas educativas e econômicas, pois ao observar o mercado percebeu que havia a necessidade de propor ações para mitigar demanda por produtos piratas e contrafeitos. Em torno desse plano de 2005, houve uma mobilização muito grande, sobretudo nas zonas primárias (aduanas, portos, aeroportos) de órgãos públicos numa ação conjugada da Receita Federal, Polícias e demais órgãos, que tem batido todos os recordes de apreensões, estrangulando a entrada de produtos no País. Mas, também há uma necessidade de se caminhar e avançar ainda mais no que diz respeito à contenção da demanda por esses produtos. Em função de seu caráter dinâmico, a pirataria se transforma e assume configurações diferentes, dada as características socioeconômicas. Em função disso, houve a necessidade de avaliar o plano lançado em 2005.

“O Conselho é um local de interação dos atores interessados e necessários para o combate à pirataria. Mas cada um deve aportar sua contribuição dentro de sua competência”

TRIBUTU$ - E quais foram os resultados obtidos nesses primeiros quatro anos do CNCP?

André Barcellos - Identificamos vários pontos em que avançamos, mas também reunimos outros em que precisamos evoluir e que estão colocados como novos desafios. Em 2008 nos dedicamos a um processo de planejamento estratégico. Desse trabalho emergiu um plano com 16 objetivos estratégicos, dos quais derivaram os 23 projetos, que seguem a mesma lógica do plano anterior, o que elimina o risco de descontinuidade das ações que vinham sendo desenvolvidas. Todo o estoque de conquistas serve de lastro para continuidade do trabalho. O Plano de 2005 cumpriu uma finalidade muito importante, que foi essencialmente política, dado que o setor público e privado estavam muito distantes no combate à pirataria. Hoje, os discursos são de cooperação dos dois lados.

TRIBUTU$ - E essa cooperação em áreas de conscientização está ocorrendo, já que o trabalho de repressão é atribuição do Estado?

André Barcellos - A cooperação hoje existe e o primeiro plano tinha essa finalidade. Já esse novo plano, com seus 23 projetos, segue a linha das três vertentes – repressão, ações de cunho educativo e econômico, mas com muito mais foco. Aquele plano de 2005 previa 99 ações que não estavam totalmente sobre a esfera do governo federal. Hoje, diante do desafio de municipalizar o combate à pirataria, por exemplo, foi proposto um novo plano, entre outros o projeto “Cidade Livre de Pirataria”, que consiste em levar o combate à pirataria para as cidades, sensibilizando as autoridades locais e a sociedade. Essa é uma grande dificuldade.

TRIBUTU$ - Como estimular os municípios a fazer esse combate?

André Barcellos - Quando se fala em combate à pirataria, temos que ter consciência que essa é uma luta de todos. É do governo federal nas zonas primárias (fronteiras, portos, aeroportos) e pontos de entrada dos produtos no Brasil, é das autoridades estaduais, que têm criado delegacias especializadas, e no âmbito municipal, um exemplo, é o controle das feiras populares, que tem a administração no governo local, que precisa ser envolvido. Mas esse é um assunto muito novo e há necessidade de convencimento e de se mostrar para as autoridades que combater a pirataria é um bom negócio para o estado, para a sociedade e para o cidadão. Essa mobilização faz parte das diretrizes do Conselho, por meio desse projeto. Existe uma seleção inicial de cinco cidades onde já está sendo feito o primeiro contato com autoridades locais. A partir da receptividade, vamos fazer um trabalho para saber como poderemos caminhar juntos. Não se trata simplesmente de delegação de responsabilidade ou de acusação da autoridade municipal. O combate à pirataria não pode existir sem parceira, seja ela público/privada ou público/público.

“Quando se fala em combate à pirataria temos que ter consciência que essa é uma luta de todos.”

TRIBUTU$ - Quando se fala em pirataria, a imagem comum seria de CD’s e DVD’s falsificados, mas esse negócio criminoso está se expandindo e chegou até os remédios. Como o Conselho está atuando nesses casos, que é dos mais nocivos?

André Barcellos - O setor farmacêutico não está representado no CNCP, que quando foi criado em 2004 não previu a participação desse setor, dado que não era uma grande preocupação. Veja que com o tempo a configuração desse crime muda. Essa preocupação é bastante recente e vem sendo conduzida pela Organização Mundial de Saúde (OMS) sobre a contrafação de medicamentos em todo o mundo. O Brasil está agindo na vanguarda ao propor mecanismos de combate à pirataria, por meio da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Polícia e Receita Federal que estão registrando recordes sem precedentes de apreensão de medicamentos. Em 2008, o CNCP firmou com a Anvisa um termo de cooperação que já trouxe resultados bastante positivos. Somente no primeiro trimestre de 2009 foram apreendidos 170 toneladas de medicamentos irregulares em todo o País, que inclui produtos piratas, contrabandeados e sem o registro. São medicamentos para tratamento de doenças de toda natureza, desde coronárias, câncer, disfunção erétil e outras. E o tratamento dado para esses crimes não é somente para violação de propriedade intelectual; é qualificado como crime hediondo, por atentar contra a saúde pública.

TRIBUTU$ - O novo programa tem 23 ações. O senhor pode destacar as principais iniciativas?

André Barcellos - Algumas ações se repetem no plano anterior, pois temos que ter um caráter de continuidade, como é o caso da capacitação de agentes públicos. Mas elegemos como prioritários cinco projetos: Cidade Livre de Pirataria, Feira Legal, Comércio Contra a Pirataria, Portal de Combate à Pirataria e Parcerias com Provedores de Internet. O Cidade Livre tende a municipalizar o combate à pirataria, e adjacente a ele temos o projeto Feira Legal, que visa mobilizar autoridades e administradores dessas feiras para substituição das mercadorias ilegais. É preciso ficar claro que não queremos acabar com as feiras, e sim impedir que produtos que violam a propriedade intelectual ou que violam a lei sejam comercializados nesses espaços. Nesse projeto Feira Legal, entra o papel da parceria com a iniciativa privada que poderá ofertar produtos a preços populares que possam ser vendidos nessas feiras. As indústrias do audiovisual podem criar produtos, com encartes e embalagens mais simples, que poderão ser vendidos a preços mais acessíveis em feiras populares, aproveitando o potencial de consumo desses locais. O terceiro projeto ensejou a própria entrada da Confederação do Comércio no Conselho que é o Comércio Contra a Pirataria. O objetivo é mobilizar a rede varejista para levar ao consumidor os malefícios da pirataria. As lojas estão fechando suas portas por conta desse problema, mas não levam ao consumidor nenhuma mensagem para os prejuízos causados pela pirataria ao País. A CNC está gerenciando essa ação dentro do Conselho e se pretende fazer um projeto piloto com as grandes redes de shopping no País. O quarto projeto será o Portal de Combate à Pirataria que vai disponibilizar informações aos consumidores sobre propriedade intelectual, informações sobre os problemas causados pela pirataria e disponibilizar conteúdo que podem ser baixados legalmente. A ideia é que seja um portal público/privado e que permita a interatividade. O quinto projeto é um desafio grande para o Estado brasileiro, pois vai exigir uma negociação com os provedores de internet. O objetivo da Parceria com Provedores de Internet é coibir a violação da propriedade intelectual.

“...não queremos acabar com as feiras, e sim impedir que produtos que violam a propriedade intelectual ou a lei sejam comercializados nesses espaços”

TRIBUTU$ - Não se trata de regular o setor?

André Barcellos - Não. É uma negociação que envolve o Estado, representado pelo Ministério da Cultura que lidera esse projeto, envolvendo os titulares de direitos. O Conselho é um local de interação dos atores interessados e necessários para o combate à pirataria. Mas cada um deve aportar sua contribuição dentro de sua competência. Então esses são os principais projetos que estão incluídos na relação das 23 ações que devem ser implantadas no período de 2009 a 2012. Esses projetos alavancarão a realidade do combate à pirataria no Brasil, que já tem sido uma experiência diferenciada. Não vemos nenhuma proposta em outros países que prevejam ações educativas e econômicas de combate à pirataria. A França, por exemplo, partiu para regulação dos “downloads” na internet, o que tem gerado protestos da sociedade. Enfim, cada país faz sua opção e a nossa é a negocial de convergência de interesses da sociedade.

TRIBUTU$ - Isso é possível e foi feito pela CPI da Pedofilia que fechou acordos com provedores de internet, para facilitar a identificação dos criminosos?

André Barcellos - Exato. O que não pode haver é o ensilamento de nenhum órgão e de entidade de combate à pirataria. A palavra de ordem é o envolvimento de todos no enfrentamento deste problema.

TRIBUTU$ - Dentro dessa lógica de envolvimento de outros órgãos, também neste plano há a previsão do Plano de Combate à Pirataria ao Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci). Como será essa integração e que ações serão desenvolvidas?

André Barcellos - O Ministério da Justiça tem esse outro grande programa, voltado para segurança pública, mas que tem o foco na prevenção partindo da premissa de que a presença do Estado promovendo a cidadania é um fato de dissuasão e mitigação da violência. E o combate à pirataria com suas conexões com o crime organizado deve prever ações voltadas à promoção da cidadania. Uma decisão de consumo lastreada por um comportamento ético, por valores compatíveis com esses costumes contempla o bom exercício da cidadania. Teremos, em breve, uma conferência nacional de segurança pública nas escolas, que envolve o MEC e a nossa intenção é fazer parcerias que estão no escopo do Pronasci para dirigir mensagens aos cidadãos sobre os malefícios da pirataria. Uma diretriz desse novo plano é o entrelaçamento das ações com outras políticas públicas existentes, promovendo assim uma sinergia e um aproveitamento de recursos que vem sendo aplicados. Ouvimos muito, hoje em dia, falar em parcerias público/privadas, mas cada vez mais o Estado tem que exercitar as parcerias público/público. Dada a insuficiência de recursos, essas parcerias podem potencializar os resultados de cada entidade e assim toda a sociedade lucrar com essa união de esforços.

TRIBUTU$ - Cada caso tem que ser visto de forma diferente, mas existe um componente comum na pirataria que precisa se compreendido pela sociedade. Como o CNCP está atuando para ampliar essa percepção?

André Barcellos - O que tem motivado a ação firme do estado no combate à pirataria é a vinculação dessa prática, em nível mundial, com o crime organizado. É claro que há pirataria caseira, de varejo, mas no todo essa prática criminosa deve ser enfrentada como uma atividade que se alimenta do crime organizado, e por outro lado, ainda que caseira, precisa ser enfrentada por representar uma violação do direito autoral, assegurado por lei.

“O que tem motivado a ação firme do estado no combate à pirataria é a vinculação dessa prática, em nível mundial, com o crime organizado”

TRIBUTU$ - Algumas entidades, como é o caso do Sindireceita, que lançou há cinco anos a campanha “Pirata: tô fora! Só uso original” têm ajudado nesse trabalho. Como o senhor avalia essas ações?

André Barcellos - O Sindireceita foi um parceiro de primeira hora, desde o início do Conselho com esse projeto. Essa proposta vai ao encontro da nova logomarca do Conselho, chamada “Brasil Original – compre essa atitude” e que tem como foco prioritário levar a estudantes e crianças informações – 15 a 24 anos como consumidores – exercitando plenamente a sua cidadania e assim, poder, diante de uma decisão de compra, optar pelo Original, a opção legal.

TRIBUTU$ - Como se dará o trabalho com essa nova marca? O que o CNCP pretende com essa ação?

André Barcellos - A intenção é mobilizar toda à sociedade em torno dessa ideia. O combate à pirataria deve envolver uma mudança de atitude e comportamental, a partir de informações sobre o mal que essa prática criminosa causa ao País e a sociedade. Essa nova logomarca ficará disponível para “downloads”, por parte da rede varejista que quiser utilizá-la em banners, cartazes, em camisetas ou em qualquer produto. A indústria poderá fixar a marca em seus produtos, valorizando a decisão do consumidor pelo produto original. Há uma gama de possibilidades de marketing com essa nova marca que deve seguir um manual variado de aplicação.

TRIBUTU$ - Existe um fator comum em todas as ações de combate à pirataria. Nada substitui a consciência do consumidor. Quando o consumidor não compra esse mercado, não tem como crescer?

André Barcellos - O fenômeno da pirataria é muito complexo e se alimenta de diversas causas. Um ponto importante está ligado ao comportamento do consumidor e a questões éticas, mas há outras como o preço. O diferencial de preços de originais e contrafeitos tem atuado como estímulo, o que não justifica a decisão, até porque nem tudo que se quer se pode ter.

TRIBUTU$ - Mas, também nunca um produto original terá condições de concorrer em condições de igualdade de preço com um pirateado?

André Barcellos - Não tem como. As estruturas de custo e de produção de um produto original são incomparáveis aos contrafeitos. A concorrência é desleal. E a atitude do consumidor é essencial para alavancar no Brasil uma transformação, no sentido do respeito e valorização da propriedade intelectual. Os pais precisam ser informados que os brinquedos piratas que ele leva para seus filhos é feito com lixo hospitalar. Ele também precisa saber que ao decidir por essa compra poderá financiar as armas usadas pelos criminosos. Essas informações precisam ser mostradas. Quaisquer pesquisas realizadas com a sociedade brasileira apontam que entre as principais preocupações estão segurança e saúde pública, e todas essas preocupações são impactadas pela pirataria. A pirataria também gera desemprego, promove o trabalho insalubre, infantil, afeta a arrecadação, o que diminui os recursos do Estado. Existe uma ligação direta com o financiamento de atividades criminosas. Então, quando se coloca à disposição da sociedade informações mostrando o que é realmente a pirataria, a sociedade começa a entender que esse não é um crime sem vítimas e de menor potencial ofensivo, ao contrário, a pirataria gera consequências nefastas e perigosas para toda a sociedade brasileira. $