Veja aqui a matéria de O Globo.: Jurista defende criação de "uma espécie de CNJ da Receita"

"A arte da dissimulação é bastante aplicada pelo ser humano, de uma maneira geral, no correr de sua vida. Mas, é na política que ela ganha maior realce. Alguns a aplicam com o sentido da perfeição do fingimento, do disfarce, dentro do espírito do exercício de uma... "arte". Alguns se especializam nessa "arte", porém com o sentido do artifício ardiloso, da astúcia. Em qualquer deles é manifesto o desejo da impostura, da falsa devoção, do burlar".

Meditando na sabedoria das palavras do poeta Francisco Simões, encontramos boa definição para as declarações à imprensa feitas nos últimos dias pelo Sindifisco Nacional: dissimulação.

Confrontados com a proposta de controle externo do Sindireceita, que sugere a criação do Conselho de Política e Administração Tributária, esquivam-se sob a alegação de que esse órgão externo comprometeria a autonomia do Fisco. À semelhança da cúpula da Receita Federal do Brasil, entende que a única mudança necessária é de ajuste de sistemas, deixando transparecer que tudo o mais não merece acertos.

A leviandade das declarações do Sindifisco é coroada pela defesa de restrição às atividades dos Analistas-Tributários, no seu entender, responsáveis pelas últimas falhas noticiadas.

Antes de mais nada, é bom esclarecer que falhas de conduta não estão adstritas a categorias. São oriundas da personalidade do agente, não importando o cargo ocupado. Tanto assim é, que desafiamos o Sindifisco Nacional a apurar e publicar o número de Auditores Fiscais e Analistas-Tributários punidos por desvio de conduta. Cremos que terão uma surpresa.

Não podemos afirmar que, sendo os sistemas informatizados da RFB confiáveis (fruto de 17 anos de contribuição dos Analistas-Tributários para seu aprimoramento), a Administração Tributária não mereça aperfeiçoamentos. O relacionamento do fisco com o contribuinte que não acompanhou a evolução da sociedade, a visão do contribuinte como sonegador em potencial que não reflete o percentual de 95% da arrecadação procedida de forma espontânea, a demora no atendimento das demandas dos contribuintes, são exemplos de situações que clamam por mudanças.

É nesse sentido que surge a proposta do CONPAT, cujas finalidades encontram-se demonstradas, de forma clara, em seu primeiro artigo:

I - zelar pela autonomia funcional da administração tributária, expedindo recomendações ...

II - auxiliar na formulação e revisão da política tributária por meio do acompanhamento da sua funcionalidade e dos resultados da sua aplicação pela administração tributária,

III - acompanhar e avaliar a eficiência e eficácia dos órgãos da administração tributária...

IV - promover o aperfeiçoamento dos meios de interação entre o fisco e o contribuinte, propondo normas e atos que ampliem, qualifiquem e agilizem o exercício da educação fiscal, a apreciação de pedidos administrativos e a prestação de orientações e demais serviços ao público,

V - promover a integração e a uniformização de atos e procedimentos entre os órgãos da administração tributária, e entre esses e a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, propondo a expedição de atos e a adoção de medidas nesse sentido...

VI - zelar pela preservação do sigilo fiscal, pelo cumprimento dos deveres funcionais e pela segurança dos servidores dos órgãos da administração tributária, cabendo-lhe, nesse sentido:

a) acompanhar os processos disciplinares em curso e

b) propor ao Ministro de Estado da Fazenda, quando julgar pertinente:

b.1) revisão da penalidade administrativa aplicada há menos de um ano, ou proposta, pela área correicional do respectivo órgão, e

b.2) remoção, disponibilidade ou aposentadoria com subsídios proporcionais ao tempo de serviço.

Por que tão pronta rejeição a proposta que caminha no sentido de aperfeiçoamento da RFB? A dissimulação responderá: perda de autonomia.

Sob a luz dos fatos, devemos entender a aludida autonomia defendida como os procedimentos e fatos que seriam combatidos pelo Conselho: atos infralegais da RFB que subvertem o interesse público, o descaso com que se tratam as demandas dos contribuintes, a política excludente dos Analistas-Tributários de suas atividades legais mesmo implicando a perda de arrecadação e as falhas de controle interno do órgão.

De toda a discussão que envolveu a RFB e os dados sob sua guarda algo restou certo: as falhas do órgão não podem mais ser dissimuladas. Medidas concretas e certas são necessárias para que se recupere a credibilidade do maior órgão da Administração Tributária do Brasil.

O mestre em Direito Administrativo pela PUC-SP e jurista da Escola de Direito de São Paulo da FGV, Carlos Ari Sundfeld, defende a criação de um conselho externo da Receita Federal do Brasil, nos moldes da proposta elaborada pelo Sindireceita. Conforme o jurista, deveria ser criado "uma espécie de CNJ da Receita" - a exemplo do Conselho Nacional de Justiça, "que tem tido sucesso em implantar processos adequados no Judiciário", afirma em matéria do Jornal Estado de S.P, intitulada "O País precisa de uma régua moral" e publicada neste domingo (5).

O jurista destaca que a repetição de problemas, como as quebras de sigilo, mostra que a criação de um conselho externo é uma necessidade na Receita Federal. Na opinião de Sundfeld, o conselho não precisaria alterar o sistema ou as rotinas da Receita. "Apenas fortalecer a segurança do cidadão, que está perigosamente frágil. Se a Receita tivesse algo assim, no presente episódio, seria uma referência para o governo conduzir melhor a coisa". Sundfeld ressalta que o CNJ foi criado para fazer esse controle externo, "mostrou-se eficaz e fez a maior reforma institucional do Estado brasileiro nos últimos tempos".

Na análise do jurista, a administração pública, no Brasil, não conseguiu criar instrumentos de blindagem contra times, ou bandos, que buscam espaço e poder político. Ele acredita que além de instituir novos controles é preciso que os líderes políticos "introduzam, ou reintroduzam, uma régua moral para sinalizar os limites". Sundfeld afirma que mesmo que haja regras e instituições adequadas, elas podem ser comprometidas pelas atitudes dos líderes do Estado. "Essas atitudes revelam, por si, quais os limites de atuação da lei. Sinalizam, para os grupos internos, se o sistema vai funcionar de modo rígido ou se há espaços para amolecer o controle".

Sundfeld destaca ainda que organizações como a Receita Federal são sofisticadas, reguladas por lei, com servidores escolhidos por concurso e com regime de proteção, exatamente para garantir que atuem como servidores do Estado e não de um governo. "Mas Polícia Federal e Receita são instituições dentro de um governo. E é importante que eles tenham claras as diretrizes, o equilíbrio. É um tripé: o controle do governo sobre a instituição, seus controles internos e o controle externo, feito pela sociedade, independente. E, dado que trabalha com situações sensíveis, teria de ser um controle forte. O que, como vimos, no caso da Receita não existe".