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Analista-Tributária da Receita Federal é entrevistada pela Folha de S.Paulo

3 de janeiro de 2024 às 11:04

A Analista-Tributária da Receita Federal do Brasil, Verginia Gil Martins Gozzi, fez um relato de sua rotina de trabalho na Ponte da Amizade, em Foz do Iguaçu/PR, para a coluna 'BRASIL-Histórias e personagens pelo país afora', da Folha de São Paulo. Verginia, que está na Receita Federal há 45 anos mantém sua luta diária contra diversos crimes transfronteiriços, como contrabando e descaminho, e contou algumas histórias de trabalho para o jornalista Marcelo Toledo. 


Leia a entrevista:

É só fuçar que acha, diz agente que reprime contrabando na Ponte da AmizadeMARCELO TOLEDO 02 JANEIRO 2024 

"Entro de carro na casa China [loja em Ciudad del Este], boto o carro na garagem e venho embora. No dia seguinte, quando eles passam aqui, começam a falar ‘vi a senhora lá na China ontem’." Assim a analista tributária Verginia Gil Martins Gozzi, 71, resume a rotina de quem trabalha na região da Ponte da Amizade e é monitorado diariamente por olheiros do contrabando.

Na Receita Federal há 45 anos, mais de 20 deles atuando na aduana em Foz do Iguaçu, que fica no caminho de quem chega do Paraguai via Ciudad del Este, Verginia é conhecida entre os usuários frequentes da ponte e os colegas de função pela rigidez com que atua. Motoboys afirmam que, em alguns casos, evitam passar pela aduana quando ela está trabalhando.

Ao ser abordada pela Folha, disse que estava de olho numa van que passaria em menos de uma hora pelo local. Ter informantes é essencial na atividade que desempenha, relata ela, e isso se confirmou no episódio do veículo.

Quando a van chegou à aduana, exatamente no horário previsto, foi descoberto um fundo falso sob a primeira fila de bancos de passageiros. Não havia mercadorias camufladas, mas a intenção de ter um espaço destinado a ocultar produtos da fiscalização foi suficiente para que houvesse a anotação da irregularidade. Além disso, o motorista era reincidente.

Nesse período combatendo o contrabando, a analista acumula histórias que mostram como as pessoas, mulas do contrabando ou do tráfico ou mesmo pequenos consumidores, tentam passar pela fronteira entre Brasil e Paraguai com produtos ilegais ou acima da cota permitida, de US$ 500.

A analista tributária Verginia Gil Martins Gozzi, 71, analisa mercadorias apreendidas na aduana da Receita Federal em Foz do Iguaçu - Bruno Santos/Folhapress

Só a aduana de Foz do Iguaçu contabiliza R$ 450 milhões em apreensões de produtos contrabandeados entre janeiro e setembro de 2023, num movimento crescente –em 2022, no mesmo período, foram R$ 328,4 milhões (R$ 344,4 milhões corrigidos pela inflação).

Esconder os produtos no corpo é a tática mais comum entre os pedestres ou passageiros de vans, carros e motos, tanto para drogas quanto para mercadorias como smartphones.

"Telefones chegamos a pegar 20 no corpo de uma pessoa. Colocam os celulares no corpo, passam uma fita para segurá-los e colocam uma cinta. Parecem um robô andando, depois colocam uma legging por cima, bem apertada e, depois, uma roupa bem solta", disse.

Em outros episódios, parou uma pessoa numa moto há seis meses e, ao perguntar o que ele estava trazendo do Paraguai, disse que era uma Bíblia. Ao ver um volume no bolso do passageiro da moto, perguntou o que era e, depois de o passageiros da moto dizer que era um chocolate e não ter convencido, saiu correndo, tirou a camisa e tentou arremessá-la no rio Paraná, que marca a fronteira entre os dois países. Mas não deu certo.

"A roupa ficou presa [e não chegou ao rio]. Tinha 600 g de cocaína. Ele deveria estar usando tornozeleira eletrônica, mas deu para a avó dizendo que era um medidor de pressão e que ela não deveria sair de casa. Ao prestar depoimento à PF, a agente chegou e perguntou quanto ele tinha pagado pela identidade. Meus Deus, era mais um crime", disse. Pelo documento falso, pagou R$ 600, segundo seu depoimento.

Houve, ainda, a vez em que uma jovem, "uma modelo, linda", foi detida com seis quilos de haxixe presos ao corpo.

"Achei uma trouxinha de haxixe na bolsa, mas não era suficiente para encaminhá-la à PF. Até que percebi um volume estranho no corpo dela. É insight, feeling. Aqui é só fuçar que acha, eu amo o que eu faço, eu adoro e o que eu mais gosto de pegar é isso mesmo, é droga. Tenho pavor. Infelizmente eu não vou conseguir salvar o mundo, queria muito que todos fossem assim."

Os piores episódios para ela, porém, são quando pai ou mãe são flagrados com drogas em ações em que envolveram os filhos crianças ou adolescentes.

"O mais triste é a mãe ou o pai trazer o filho com droga para ensinar ao filho o tráfico. É revoltante, é de chorar ver um negócio desses. Já peguei uns cinco casos assim, é muito triste."

Num dos casos, ouviu de uma mãe que estava com a filha de 14 anos que estava na atividade aquele dia para "ensinar a filha, é o meio de ganhar dinheiro".

Enquanto era entrevistada pela Folha, Verginia recebeu informações sobre um fugitivo da cadeia, que teria desaparecido em Foz do Iguaçu com uma criança e que poderia tentar levá-la para o Paraguai, para escapar das forças de segurança brasileiras. A informação foi repassada à PF (Polícia Federal).

"Dizem que sou louca de, na idade que estou, fazer isso, mas eu e meu colega de turno somos assim."


 A coluna pode ser lida na Folha de S.Paulo AQUI

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