O PL 5.864/16 E A ADMINISTRAÇÃO DA RFB

O primeiro substitutivo promoveu alterações nos artigos 5º e 6º da Lei nº 10.593, de 6 de dezembro de 2002, corrigindo o uso enviesado da técnica legislativa para, ao que tudo soa indicar, privilegiar uma determinada categoria, em detrimento do interesse público, como parece ter ocorrido no projeto enviado pelo Poder Executivo, sob os auspícios da Secretaria da Receita Federal do Brasil.


São vários os indicativos desse grave expediente de sindicalização da Administração Pública, notadamente, da Fazendária. De plano, basta observar que a retificação da nomenclatura da carreira feita no art. 2º do Lei nº 5.864/2016 deveria ter ocorrido no corpo da Lei nº 10.593/2002, por meio de substituição, como manda o inciso III do artigo 12 da Lei Complementar nº 95/1998.


Contrário disso, a proposição enviada pelo Executivo operou reprodução integral em novo texto, mas sem que se tratasse de alteração considerável, e, pior, inserindo no § 1º do mesmo artigo 2º matéria que não se articula, por desdobramento, com o caput, como manda o inciso II do artigo 10 também da Lei Complementar nº 95/1998.


Traduzindo, grosso modo, enquanto o caput do artigo 2º do Projeto de Lei nº 5.864/2002, tal como enviado pelo Poder Executivo, trata da renomeação da Carreira, o seu § 1º, capciosamente, elege um cargo específico como autoridade tributária e aduaneira, qualificando suas atividades como essenciais e exclusivas de Estado.


Essa primeira circunstância, por si só, clareia a opção da relatoria de promover, no primeiro substitutivo apresentado, a retificação devida nos artigos 5º e 6º da Lei nº 10.593/2002, limitando-se a indicar, no artigo 2º do Projeto de Lei nº 5.864/2016, a alteração da denominação da Carreira de Auditoria da Receita Federal do Brasil para Carreira Tributária e Aduaneira da Receita Federal do Brasil, suprimindo a matéria relativa à autoridade, essencialidade e exclusividade, por absoluta impertinência como o versado no dispositivo.


Com efeito, essa pauta relaciona-se, na verdade, com as atribuições inerentes aos cargos integrantes da respectiva Carreira, as quais estão disciplinadas, por sua vez, justamente no artigo 6º da Lei nº 10.593/2002, para onde foram realocadas. Noutras palavras, tanto a essencialidade quanto a exclusividade da atividade tributária e aduaneira, bem como o status de autoridade de quem as exerce não são qualidades de eleição discricionária – ou talvez arbitrária, como parece ter sido. Muito pelo contrário, esses adjetivos decorrem naturalmente das atribuições de cada cargo.


A propósito, por esse motivo – qual seja, a inafastável pertinência temática entre atribuições e os predicados de essencialidade, exclusividade e autoridade – que contestamos, de imediato, a suspeita de inconstitucionalidade das emendas sugerindo modificações ao atual artigo 6º da Lei nº 10.593/2002, sob o pretexto de que violavam o princípio democrático e o devido processo legislativo (CF, art. 1º, caput e parágrafo único; 2º, caput; e 5º, caput e LIV).


Isso porque, o Poder Executivo, ao pinçar um cargo, num projeto que versa sobre uma carreira, propondo apenas a ele o status de autoridade, bem como a essencialidade e a exclusividade de suas atividades, deflagrou ele próprio o debate sobre a incumbência administrativa desses e dos demais servidores a que se refere a proposição.


Fixadas essas premissas sobre a constitucionalidade e a juridicidade dos reparos feitos pelo primeiro substitutivo, fica claro, se não óbvio, que a polêmica qualificação de um cargo como autoridade depende de um exame das incumbências relativas à administração tributária e aduaneira, não de uma escolha pessoal travestida na vontade da Secretaria da Receita Federal do Brasil.


Nesse contexto, é indiferente o que consta das normas infra-legais, como decretos, portarias e instruções normativas. A uma, porque o legislador ordinário não se vincula a elas. A duas, porque a Secretaria da Receita Federal deu provas de que não tem isenção para proceder a esse juízo com imparcialidade. Referimo-nos, especificamente, à discrepância entre o discurso adotado, por exemplo, na audiência pública realizada pela Comissão Especial responsável pela apreciação do PL, e o outro, em defesa do retorno do projeto de lei originalmente enviado pelo poder executivo, construído nas reuniões a portas fechadas, cujo debate da pauta não remuneratória realizou-se somente com a entidade sindical representativa do cargo efetivo dos que compõem sua cúpula.


Seja como for, a relatoria tem demonstrado ter por bem evitar algumas confusões conceituais, antes de deduzir as razões meritórias acerca da forma como o substitutivo resolveu sobre o tema.


Preliminarmente, é imprescindível destacar que o conceito de autoridade não é nenhum título honorífico ou foro de nobreza capaz de afirmar relações de vassalagem entre servidores no seio da Administração Pública, quanto mais da Fazendária, em particular. Pra fins legais, autoridade é apenas e tão somente “o servidor ou agente público dotado de poder de decisão”, como define o inciso III do § 2º do artigo 1º da Lei nº 9.784/1999.


Nesse contexto, o Sindireceita adianta desde logo que não há nenhuma lei que pontifique ser o Auditor-Fiscal autoridade tributária e aduaneira. O Código Tributário Nacional fala em autoridade administrativa (CTN, art. 142); a Lei nº 9.430/09 refere-se à autoridade fiscal, assim como a Lei nº 9.532/1997; já a Lei nº 12.815/2013 alude à autoridade aduaneira, apenas para citar alguns exemplos veiculados nas justificativas de emendas que foram apresentadas por outras entidades sindicais.


Mesmo que algumas das atribuições mencionadas pela legislação sejam reservadas pela Lei nº 10.593/2002 apenas aos ocupantes de um dos cargos da Carreira de Auditoria da Receita Federal do Brasil, isso não quer dizer, porém, sejam eles as únicas autoridades da administração tributária e aduaneira, isto é, os únicos servidores com poder de decisão.


O fato é que a postura sindical da Administração Pública Fazendária da União, utilizando-se de seu poder de império, buscou todos os meios postos à sua disposição para convencer (ou seria constranger?) o relator a realizar novas reformas no relatório anteriormente apresentado, deixando sempre muito clara sua intenção de retornar ao texto do PL original que, conforme já comentado, privilegia um cargo em detrimento do interesse público.


Talvez por consequência de toda essa investida, o segundo relatório (segundo substitutivo) tenha vindo com alguns retrocessos, repetindo equívocos do PL original, a exemplo do novo art. 1º, caput e seu § 1º, que continuam a contrariar a técnica legislativa determinada pela Lei Complementar nº 95/98.


Essa postura fratricida da Administração da RFB pode trazer consequências irreparáveis para o desenrolar de todo o processo de negociação salarial iniciado no primeiro semestre de 2015, prejudicando milhares de famílias que contam, não raras vezes, tão somente com a remuneração do servidor da Carreira, remuneração esta que, se comparada ao ano de 2010, já sofre quase 40% de deterioração do poder aquisitivo.


Da nossa parte, cabe-nos mantermos firmes, vigilantes e intransigentes na defesa dos nossos legítimos direitos, sem olvidar jamais do interesse público, sempre respeitando as instituições, contudo, sem permitir, jamais, que nos retirem o já reduzido patrimônio de direitos atualmente assegurados por lei.