Boletim Especial

Definição clara das atribuições

Supressão do termo "auxiliar" constante na Lei 10.593/2002.

O Sindicato Nacional dos Técnicos da Receita Federal ? SindiReceita, proporciona com este Boletim Especial de número 3 a continuação da série de textos relativos à pauta de reivindicações originária das deliberações da reunião do Conselho Nacional de Representantes Estaduais (CNRE) ocorrida em dezembro último.

Devemos, inicialmente, fazer remissão ao anexo único do Boletim Especial nº 2, que resume a criação e evolução da Carreira de Auditoria da Receita Federal (ARF). Alguns outros aspectos específicos, relacionados ao presente tema, devem ser rememorados.

Durante muitos anos, na fase anterior à criação da Carreira de Auditoria da Receita Federal, as áreas de atuação do Fisco Federal eram claramente delimitadas, segundo a tríplice divisão clássica: Tributação, Arrecadação e Fiscalização.

Ao tempo da edição do Decreto 72.933 de 16/10/1973, por exemplo, o Fisco Federal (Grupo - Tributação Arrecadação e Fiscalização) era constituído pelas Categorias Funcionais abaixo indicadas (art. 3, do Decreto retrocitado):

"[Tributação]:

Código TAF-601 - Técnico de Tributos Federais

[Arrecadação]:

Código TAF-602 - Controlador da Arrecadação Federal

[Fiscalização]:

Código TAF-603 - Fiscal de Tributos Federais

Código TAF-604 - Fiscal de Tributos de Açúcar e Álcool

Código TAF-605 - Fiscal de Contribuições Previdenciárias."

Ainda segundo esse Decreto (art. 1º):

"O Grupo - Tributação, Arrecadação e Fiscalização, designado pelo código TAF-600, compreende Categorias Funcionais integradas de classes constituídas de cargos de provimento efetivo, a que são inerentes atividades de nível superior da administração tributária, envolvendo planejamento, organização, coordenação, avaliação, controle e execução, relacionados com tributação, arrecadação e fiscalização de tributos federais, abrangendo, inclusive, as de fiscalização e controle da arrecadação de tributos de açúcar e álcool e de contribuições previdenciárias."

Algum tempo após a extinção da categoria funcional de Técnico de Tributos Federais(TTF), e concomitante transposição dos seus então integrantes ao cargo de Fiscal de Tributos Federais(FTF), pelo Decreto nº 76.346, de 1º de outubro de 1975, foi incluída no Grupo-Tributação, Arrecadação e Fiscalização, código TAF-600, a Categoria Funcional de Técnico de Atividades Tributárias(TAT), através do Decreto nº 87.324, de 24 de junho de 1982. Nessa curta fase embrionária (1982 até 1985), anterior à criação da Carreira de Auditoria do Tesouro Nacional (ATN - atual ARF), coexistiam, no Grupo TAF-600 (Fisco Federal), no âmbito da Receita Federal, as categorias de Fiscal de Tributos Federais (FTF), Controladores da Arrecadação Federal (CAF) e Técnico de Atividades Tributárias (TAT).

Através da Portaria DASP n.º 109, de 3 de fevereiro de 1983, foram determinadas as atribuições do cargo de Técnico de Atividades Tributárias (TAT). Como exemplos de atividades típicas de tributação, arrecadação e fiscalização, incumbidas aos ocupantes desse cargo, tínhamos: a manutenção de controle dos processos de restituição e ressarcimento a execução de cálculos relativos à exigência do crédito tributário a revisão de declarações o acompanhamento e registro de operações de trânsito aduaneiro, e de operações de carga e movimentação de mercadorias e de bagagens a execução de operações preliminares para efeito de isenção ou cobrança de tributos o preparo dos lançamentos suplementares de imposto de renda.

Com a criação da Carreira de Auditoria do Tesouro Nacional (ATN ? atual ARF), através do Decreto-Lei n.º 2.225/85, houve a transposição dos Controladores de Arrecadação Federal (CAF) ao cargo de Auditor-Fiscal do Tesouro Nacional - AFTN (criado pelo mesmo Decreto-Lei), e a criação do cargo de Técnico do Tesouro Nacional (TTN), com a concomitante transposição dos Técnicos de Atividades Tributárias (TAT) para esse cargo.

No âmbito da Secretaria da Receita Federal, passaram a coexistir apenas as duas categorias funcionais acima referidas, quais sejam: Auditor-Fiscal do Tesouro Nacional (AFTN) e Técnico do Tesouro Nacional (TTN). Evidente que as lacunas deixadas pelas transposições anteriores citadas (Técnico de Tributação Federal e Controladores da Arrecadação Federal) ao cargo de Fiscal (FTF e AFTN, respectivamente), teria de ser suprida por alguma outra categoria. Assim, muitas das antigas funções tanto de Técnicos de Tributação Federal (TTFs), quanto de Controladores da Arrecadação Federal (CAFs) passaram a ser exercidas pelos Técnicos do Tesouro Nacional (TTNs).

Referido Decreto-Lei não definiu as atribuições dos cargos que passaram a integrar a Carreira ATN (AFTN e TTN). O Decreto nº 90.928, de 07 de fevereiro de 1985, em seu art. 2º, "b", apenas delineou, de modo bastante superficial, as funções dos cargos. Aos TTNs cabia, em termos bastante genéricos:

"b) Classes de Nível Médio: Atividades de nível médio de apoio operacional relacionadas com os encargos específicos de competência da Secretaria da Receita Federal, compreendendo:

Classe Especial e 1ª - coordenação, controle, orientação e execução de trabalhos de médias complexidade e responsabilidade

2ª e 3ª Classes - controle e execução de trabalhos de médias complexidade e responsabilidade."

Evidente que essa indefinição sempre foi prejudicial ao serviço, aos integrantes da Carreira ATN (ARF), ao ambiente de trabalho, e, por tudo isso, aos interesses públicos. No que diz respeito à categoria dos Técnicos do Tesouro Nacional (TTNs), a delimitação de seu campo de atuação sempre esteve entre suas prioriades. Vários estudos e pesquisas foram realizados, para o fim de demonstrar à Administração que o nível de qualidade profissional dos ocupantes do cargo, bem como o rol de atividades efetivamente exercidas havia sido significativamente ampliado, ao longo de todos os anos decorridos desde a criação da Carreira ATN (atual ARF), em função, inclusive, dentre outros fatores, da própria indefinição do círculo de abrangência de suas competências.

Com a publicação da MP 1915/1999, foram definidas tão-somente as atribuições privativas dos Auditores-Fiscais da Receita Federal (AFRFs). De acordo com o art. 6.º, § 2º, da Lei nº 10593/2002 (que resultou da conversão em Lei das alterações à MP 1915/1999), "Incumbe ao Técnico da Receita Federal auxiliar o Auditor-Fiscal da Receita Federal no exercício de suas atribuições".

Embora o Decreto de regulamentação desse dispositivo (Decreto 3611/2000) tenha tido o mérito de aprofundar um pouco mais a delimitação das áreas de atuação dos Técnicos da Receita Federal (TRFs), repetiu a mesma falta de clareza, quando deixou de definir expressamente as atribuições privativas dos TRFs, e utilizou-se do mesmo problemático verbo :

"Art. 2o Incumbe ao ocupante do cargo efetivo de Técnico da Receita Federal auxiliar o Auditor-Fiscal da Receita Federal, no desempenho das atribuições privativas desse cargo e sob a supervisão do Auditor-Fiscal da Receita Federal, especialmente [...]"

Poucas palavras em português têm acepções tão vagas, abstratas e genéricas quanto o verbo auxiliar.

Do dicionário "Aurélio", temos que serve para designar as ações de : "prestar auxílio a", "socorrer", "ajudar", "prestar auxílio mútuo".

Do dicionário "Houaiss", apreendemos que é sinonímia de "ajudar" e "proteger", "dar auxílio a", "socorrer" (Ex.: < auxiliou o acidentado> < auxiliamos os refugiados na remoção para outros países> ), "contribuir para" ,"facilitar" (Ex.: < a contenção da violência urbana auxilia a melhoria da imagem do país> < a comunidade auxiliou muito na última campanha> ), "trabalhar junto a alguém mais experiente ou graduado, na qualidade de ajudante, assistente etc.".

No mesmo dicionário, alguns termos jurídicos são lembrados:

· · "auxiliar da justiça" -> "pessoa que exerce cargo ou função cujas atribuições concorrem para a aplicação ou administração da justiça."

· · "auxiliar de acusação" -> "advogado da parte ofendida que intervém na condição de auxiliar do Ministério Público em certos casos."

· · "auxiliar de defesa" -> "advogado que presta auxílio a outro, na defesa do réu."

Como visto, o verbo pode ser empregado em variados níveis de ajuda. O "auxiliado" pode ser alguém com completo domínio da situação, como pode ser, no outro extremo, alguém que necessite de socorro. Uma terceira possibilidade é estarem situados no mesmo nível de dificuldades, como no último exemplo acima (o advogado que presta auxílio a outro, na defesa do réu).

Assim, a opção por deixar de especificar detalhadamente as atribuições de ambos os cargos componentes da Carreira de Auditoria da Receita Federal (ARF) - e não só as dos AFRFs -, e dispor de um verbo ("auxiliar") tão impreciso para (in)definir as atribuições privativas dos Técnicos da Receita Federal, teve a conseqüência de deixar margens a infinitas possibilidades de interpretação quanto ao conteúdo e alcance desses dispositivos legais.

Com efeito, basta que, ao final de um mês de trabalho, se pergunte a qualquer Técnico da Receita Federal qual o número de vezes que, durante esse período, necessitou prestar "auxílio" técnico aos Auditores-Fiscais da Receita Federal. Essa pergunta deixaria atônitos não só TRFs, mas também AFRFs, uma vez que o sentimento geral na Receita Federal é que os ocupantes de ambos os cargos - até em razão de sua alta especialização e qualidade técnica - exercem suas funções de modo autônomo, sem interferências recíprocas favoráveis ao bom andamento do serviço. Em outras palavras: não existe entre eles a relação de "auxiliar e auxiliado" que possa justificar a utilização desse vocábulo para substituir a definição clara das atribuições específicas dos Técnicos da Receita Federal. A carreira Policial Federal, criada na mesma época, e nos mesmos moldes da Carreira ARF, através do Decreto-Lei nº 2.251/85, apresenta hoje uma delimitação bastante clara do campo de atuação de Agentes e Delegados. Nos projetos ora colocados em consulta pública, na página do Ministério da Justiça na internet (www.mj.gov.br), há nítidas divisões de responsabilidades, de acordo com a classe ocupada. Em nenhum momento se cogitou de dizer que "aos Agentes incumbe auxiliar os Delegados". Mesmo porque isso seria inverídico. São atividades complementares, autônomas, tal como ocorre na Carreira ARF, que deveria ter merecido idêntico tratamento.

Um aspecto importante a abordar é que a legislação citada determina que esse auxílio é prestado em relação (apenas) às atribuições privativas do cargo de AFRF. Em outras palavras: os TRFs devem atuar - autonomamente (nas atribuições em caráter geral e concorrentes), ou em caráter de "auxílio" - somente nas atividades atribuídas à Carreira Auditoria da Receita Federal.

Qualquer outra atividade que não esteja inserida no rol de competências específicas (essenciais) dessa Carreira está fora do âmbito de atuação dos TRFs.

A noção de "auxiliar" traduz um outro aspecto importante: a similaridade ocupacional entre os cargos em consideração. O que é o professor-auxiliar senão também professor ? Alguém imagina um químico-auxiliar que não tenha formação em Química? Um médico-auxiliar que também não seja médico? Um engenheiro-auxiliar que também não seja engenheiro? Os Técnicos da Receita Federal são, na verdade, "Auditores-Fiscais Auxiliares", desde a fase anterior à criação da Carreira ATN (atual ARF).

Em consulta sobre a possibilidade de os TRFs exercerem a profissão de advogado, a Divisão de Ética e Disciplina Corregedoria Geral (COGER) da Receita Federal elaborou a informação COGER/DIEDI nº 99/2002.

No texto dessa consulta, foi lembrado que "a Escor03 já havia [divulgado] entendimento, através de mensagem expedida por meio de "Lotus Notes", enviada à Delegada da Receita Federal em Fortaleza- CE, na qual exara o seguinte entendimento: "

Art. 28. A advocacia é incompatível, mesmo em causa própria, com as seguintes atividades:

VII- Ocupantes de cargos ou funções que competência de lançamento, arrecadação ou fiscalização de tributos e contribuições parafiscais "

Um pouco mais adiante:

""Auxiliar", o Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, significa assistir, ajudar aquele que socorre, ajuda. Assim, o assistente atua conjuntamente com aquele que desempenha a atividade principal, realizando as atividades sob a orientação técnica, supervisão e controle daquele que detém a competência prevista na legislação. Desse modo, quem assiste pratica atividade da mesma natureza daquele que é assistido."

"Assim, por si só, tal previsão seria suficiente para demonstrar que as atribuições dos Técnicos da Receita Federal, com a edição do Decreto nº 3.611/2000, por serem da mesma natureza dos Auditores Fiscais da Receita Federal, os tornam incompatíveis com o exercício da advocacia."

A conclusão a que chega a informação COGER/DIEDI nº 99/2002 é de uma clareza cristalina:

"Conclui-se, portanto, que, com a edição do Decreto nº 3.611/2000, as atribuições dos Técnicos da Receita Federal tomaram-se bem definidas, sendo que, conforme se constata da análise da legislação acima transcrita, as atividades desenvolvidas por tais servidores enquadram-se perfeitamente no conceito de incompatibilidade previstos no art. 28, inciso VII, do Estatuto da Advocacia da OAB, qual seja: ocupantes de cargos ou funções que tenham competência de arrecadação ou fiscalização de tributos e contribuições parafiscais, motivo pelo qual constitui infração disciplinar o exercício simultâneo do cargo de Técnico da Receita Federal com a profissão de advogado."

No mesmo sentido é o entendimento do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), exarado na decisão relativa ao processo 006/2004/PCA:

Ementa 006/2004/PCA. Técnico da Receita Federal. Incompatibilidade. A função de auxiliar o Auditor Fiscal da Receita Federal no desempenho de competência que consiste no lançamento e fiscalização de tributos federais, faz com que se estenda ao Técnico da Receita Federal a incompatibilidade prevista no art. 28, inciso VII, do EOAB. Recurso a que se nega provimento. Decisão unânime. (Recurso nº 0277/2003/PCA-PR. Relator: Conselheiro Marcos Bernardes de Mello (AL), julgamento: 08.12.2003, por maioria, DJ 20.04.2004, p. 497,S1) (fonte: http://www.oab.org.br/msEmentario.asp?idt=2181)

Embora esses entendimentos sejam, em parte, negativos aos interesses dos Técnicos da Receita Federal, no que diz respeito a não lhes permitir o exercício da advocacia, são importantes no sentido de frisar, de forma completamente isenta, a natureza fiscal das funções efetivamente desempenhadas pelos ocupantes do cargo. Lembra-se que o Decreto 3.611/2000 não inovou na ordem jurídica. Desde a criação da Carreira de Auditoria do Tesouro Nacional (atual ARF), os Técnicos exercem funções de tributação, arrecadação e fiscalização de tributos federais.

No que tange à referida incompatibilidade, mesmo reconhecendo que, de fato, os Técnicos da Receita Federal exercem atividades de tributação, arrecadação e fiscalização de tributos federais, desde a criação da Carreira de Auditoria do Tesouro Nacional (ATN, criada pelo Decreto-Lei 2.225/85 - atual ARF), o SindiReceita pretende implementar defesa, principalmente através de trabalho parlamentar, pelo reconhecimento de seu direito ao exercício da advocacia, ressalvadas apenas a compatibilidade de horários de trabalho, e a impossibilidade de atuação em ações em que a Fazenda Pública da União seja parte interessada.

De tudo o quanto foi exposto acima, inclusive com o reconhecimento expresso da Corregedoria-Geral da Receita Federal, e do Conselho Federal da OAB, de que os Técnicos da Receita Federal exercem funções fiscais típicas, o que impede que tenham definidas, de modo expresso, e bem claro, suas atribuições privativas ? Por que não aproveitar suas vocações naturais nas áreas de tributação, arrecadação, tecnologia e fiscalização aduaneira, para estabelecer rígidos limites divisórios entre as atribuições desses, e as dos AFRFs?

Por outro lado, caso não seja possível delimitar o campo de atuação privativo de cada categoria pertencente à Carreira de Auditoria da Receita Federal cabe à Administração reconhecer que todas as tarefas são executadas pelos fiscais da Secretaria da Receita Federal, Técnicos e Auditores.

E não podemos nos esquecer que para o fortalecimento da Instituição, para a melhoria das condições de trabalho, e para a diminuição de atritos internos que proporcionam reflexos negativos ao serviço, é necessário que todas as categorias em exercício na Receita Federal tenham clara e expressamente definidas suas atribuições privativas, bem como seu campo de atuação profissional. Isso inclui também os Administrativos e Soapes.

Não é demais lembrar que a definição de atribuições é elementar à configuração dos cargos, uma vez que é fator essencial para sua diferenciação em relação aos demais. Por isso mesmo, os incisos III, IV e VI, do art. 37, da Lei nº 8.112/90, que trata do instituto da redistribuição de cargos, determinam fiel observância à situação atributiva anterior, para efeitos desses deslocamentos. Como fazê-lo sem definição clara, expressa, objetiva tanto do campo de atuação, quanto das competências privativas do cargo ? Não se pode deixar ao subjetivismo do intérprete tal definição.

Até quando se permitirão situações tendentes a provocar o acirramento das disputas por espaços na divisão das competências específicas do Fisco Federal? Quando todas as categorias tiverem consciência das rígidas fronteiras entre suas atribuições privativas, e as dos integrantes das demais, cada um saberá exatamente o papel que exerce na Instituição. Com isso, valorizam-se os cargos, e eliminam-se (ou reduzem-se ao máximo) as tendências a recíprocas invasões de competências. Os beneficiários da harmonia então resultante, a partir dessa demarcação, serão todos os envolvidos, inclusive, e principalmente, a Instituição e, por conseguinte, os interesses públicos.