2. Emenda n. 104 ? dos Senadores Tasso Jereissati (PSDB-CE) e Arthur Virgílio (PSDB-AM)

Emendas ao projeto da Super-Receita

(PLC 20/2006 do Senado Federal)

Introdução

O Sindireceita vem louvar a iniciativa, reconhecendo a necessidade premente de se adotarem medidas que objetivem equacionar tão conturbada relação. Reforça, porém, que, ao seu juízo, o pano de fundo mais adequado para esta discussão seria o projeto do Código de Defesa do Contribuinte (PLS 646/1999 ? Complementar, do Senado Federal, de autoria do Senador Jorge Bornhausen ? PFL/SC), que se encontra na Casa para apreciação do Plenário. Assim, frise-se que a análise técnica que se faz das presentes emendas é de seu teor EM TESE, não necessariamente se considerando apropriado que estejam vinculadas ao PLC 20/2006.

O Código de Defesa do Contribuinte, cujo atual relator, o eminente Senador Ramez Tebet (PMDB-MS), anunciou para logo a conclusão de seus trabalhos, traz a discussão sistêmica de tais medidas. O Sindireceita apresentou, ao autor e ao relator da matéria, uma proposta de Substitutivo, com alterações que considera favoráveis e imprescindíveis ao bom andamento da proposição, que apenas poderá ser apreciada, porém, pela Câmara dos Deputados, devido a questões regimentais.

Os técnicos da Receita Federal sempre praticaram com dedicação e profissionalismo o atendimento ao contribuinte, estando ao seu lado quando este se vê aviltado com as agruras de um sistema tributário injusto, de uma máquina administrativo-tributária que não atende a seus anseios e se sujeita a medidas casuísticas e à crescente ineficiência. Isso, a despeito de todos os esforços da categoria TRF, que não são reconhecidos nem estimulados pela administração do Órgão ? ao contrário, são freqüentemente premiados com o assédio moral e o tratamento discriminatório.

A seguir, anotamos algumas considerações sobre as emendas acatadas pelo relator do PLC 20/2006, do Senado Federal, que possuem implicação com o tema da defesa do contribuinte, e que, potencialmente, trarão benefícios à sociedade e ganhos de eficiência para o Estado, sem prejudicar os interesses do Erário.

?A Emenda modifica as atribuições dos Auditores-Fiscais para ressalvar, em sua atuação, que a desconsideração da pessoa, ato ou negócio jurídico que implique reconhecimento de relação de trabalho, com ou sem vínculo empregatício, deverá sempre ser precedida de decisão judicial .

Busca-se, com a medida, deixar claro o limite de atuação da autoridade fiscal, que não pode se sobrepor à competência constitucional do Poder Judiciário. Cabe ao Estado-Juiz desconsiderar a personalidade jurídica e reconhecer relação empregatícia. Os efeitos tributários desse reconhecimento, portanto, somente podem surgir após o pronunciamento judicial. A emenda merece ser acolhida.? [Relatório do Senador Rodolpho Tourinho]

Comentários ? Inicialmente, cabe salientar que a desconsideração da personalidade jurídica (disregard theory, disregard doctrine ou disregard of legal entity) é instituto de elaboração relativamente recente e que tem suscitado acirradas polêmicas.

O planejamento tributário ? tema que guarda relação de proximidade com o estudo da desconsideração ?, desde que fundado em procedimentos lícitos, é considerado plenamente admissível. Ninguém é obrigado a pagar mais tributos, se tiver alternativas legais menos onerosas. Não é de se admitir que se deixe ao exclusivo arbítrio de interessados no aumento da arrecadação a valoração dos efeitos econômicos de determinado negócio jurídico. A se entender em contrário, ampliar-se-ia intoleravelmente a insegurança da relação fisco-contribuinte, afugentando-se do país novos investimentos, e, indiretamente, portanto, afetando-se a própria arrecadação. Somente a lei, e não o arbítrio fiscal, deve estabelecer o rol taxativo de hipóteses elisivas consideradas inválidas. Por razões ainda mais fortes, deve-se cercar o contribuinte de proteções quanto à desconsideração da personalidade jurídica, que é altamente gravosa.

Além disso, há que se reconhecer que esse instituto, em função de sua complexidade jurídica, torna desaconselhável sua aplicação por parte de quem não possui, obrigatoriamente, formação universitária em Direito.

Corroborando o caráter de complexidade do assunto, é de se lembrar que a própria ?norma geral antielisão? ? consubstanciada no parágrafo único do art. 116 do CTN ? que, conforme a melhor doutrina e jurisprudência, deve ser aplicada somente em hipóteses de ilícitos tipificados taxativamente em lei (ou seja: de ?antielisão? não tem nada) ? vem sendo objeto de duras críticas, e mesmo de uma ADIn (de número 2.446/2001, ajuizada pela Confederação Nacional do Comércio), cuja decisão liminar ainda se encontra pendente de apreciação.

Preclaros expoentes do Direito Tributário nacional condenam veementemente referida norma. É de se citar o eminente Prof. Dr. Ives Gandra da Silva Martins:

?(...) A própria tentativa do Fisco de criar hipóteses de substituição do princípio constitucional da estrita legalidade pelo palpite fiscal, instituindo a "norma anti-elisão" - uma norma não escrita e definida, em cada caso, pelos humores da fiscalização (L.C. 104) - está tendo sua constitucionalidade questionada perante o STF e a MP reguladora (MP 66, arts. 13 a 19) foi rejeitada pelo Congresso Nacional, por entendê-Ia maculadora da lei suprema brasileira. (...)?

Outro primaz da mesma seara, Prof. Dr. Hugo de Brito Machado, também repudia a arbitrariedade fiscal, nesses termos:

?(...) O terceiro é a norma antielisão. A pretexto de regular o procedimento para sua aplicação a MP 66 extrapola o CTN e a LC 104, autorizando a tributação por analogia em flagrante violação ao princípio da legalidade e a dispositivos do próprio CTN que o explicitam. Este aspecto, aliás, já mereceu o repúdio do Professor Alberto Xavier, que afirma tratar-se de normas de inspiração nazi-facista, tamanho é o arbítrio que ensejam, pois não se referem a casos de fraude à lei, mas de simples opções lícitas do contribuinte, que fica privado do direito de escolher como organizar os seus negócios para economizar impostos. (...)?

O Dr. André Luiz Carvalho Estrella, procurador do Estado do Rio de Janeiro, ainda que adote posição favorável a políticas de aumento da arrecadação, defende que as ?hipóteses de elisão que devem ser proibidas? sejam taxativamente elencadas em leis de cada ente federativo:

?(...) Defendemos a tese de que a legislação ordinária de cada membro da federação deveria ser, na verdade, a norma antielisiva específica, nos moldes da legislação italiana (...). Com efeito, cabe ao CTN somente estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, consoante o artigo 146, inciso III, da CF 88, e não descer a minúcias. É uma norma sobre normas. Lex legum. Em face disto, a legislação ordinária federal, estadual e municipal elencará as hipóteses de elisão que devem ser proibidas, assim, de acordo com o artigo 24, inciso I e os artigos 30, inciso II e III e artigo 145 da CF 88, cada ente exercerá a sua competência constitucional em matéria tributária, consolidando a eficácia do novel dispositivo.

Desta sorte, impende-nos concluir que a norma antielisiva geral é carecedora, no plano material, de eficácia das diversas legislações de cada membro federativo, que regulem especificamente os procedimentos a serem adotados em cada hipótese de elisão. (...)?

Lançar mão da adoção de personalidade jurídica como meio de resguardar os sócios é legítimo, lícito e legal. É a proteção legal que explica a prevalência das sociedades de responsabilidade limitada e anônima, modelos jurídicos em que a responsabilidade de cada sócio é, em apertada síntese, limitada à sua participação no capital social. Não se pode desvirtuar tal salvaguarda classificando-a de abrigo à prática de atividades ilícitas. Isso mostra ignorância em relação à finalidade do instituto, ao se tomar a exceção pela regra. A se aprofundar tal equívoco, volveríamos ao tempo da ?bancarrota?, em que o comerciante endividado tinha sua ?banca? destruída por credores tomados de ira. O Direito significa a proteção ao bem jurídico tutelado, e o grau dessa proteção é índice do progresso civilizatório de um povo.

No estudo intitulado ?Proposta para um Código de Relacionamento Fisco-Contribuinte?, anterior ao Seminário Nacional ?O Equilíbrio na Relação Fisco-Contribuinte ? Defender o Contribuinte: uma questão de cidadania?, realizado em São Paulo, o Sindireceita avalizara a desconsideração da personalidade jurídica por autoridade administrativa. Ante as considerações de ilustres autoridades convidadas, sentimos a necessidade de aprofundar os estudos sobre essa questão. É de se reconhecer que a segurança jurídica recomenda que a matéria seja submetida ao controle jurisdicional, sujeitando-se, desde logo, ao crivo do contraditório e da ampla defesa propriamente ditos, em estrito respeito ao princípio constitucional da legalidade. A alegada morosidade do procedimento judicial não pode servir de pretexto à chancela de arbitrariedades fiscais, da ?lei? criada conforme as necessidades da Administração Tributária, de outra parte, a abdicação do direito ao contraditório e à ampla defesa, exercidos em juízo, não é proporcional, in casu, ao perigo imposto ao bem tutelado em jogo.

Ainda que, só para argumentar, se aceitasse a falaciosa afirmativa de que a arrecadação estaria comprometida pela ?morosidade judicial?, veríamos na defesa judicial do contribuinte ainda outro mérito expressivo. É de comum conhecimento o fato de que o Executivo é um dos maiores responsáveis pelo agravamento das condições laborais no Judiciário ? talvez seu maior ?cliente? ? , ao freqüentemente descumprir a própria lei, ao procrastinar feitos tidos como ?perdidos?, e, com isso, abarrotar a Magistratura com litígios absolutamente evitáveis (p. ex., no caso de lesões evidentes, fática e juridicamente, a direitos de servidores ativos e aposentados ? para ficar só no âmbito das relações entre o Estado e seus servidores). Nessa improvável hipótese, a ?morosidade na arrecadação? estaria na justa medida dos entraves criados ao Judiciário pelo próprio Executivo. De certo que a Justiça e o respeito às leis seriam, nesse fictício quadro, tratados mais cautelosamente pela Administração.

No caso da emenda nº 94, a vedação à desconsideração da personalidade jurídica, realizada por órgão administrativo, fica restrita apenas aos casos em que implique reconhecimento de vínculo de emprego. Se pecou a emenda, foi pela timidez. Nesse sentido, os argumentos acima delineados, por estar a hipótese contida naquela anteriormente explorada, continuam válidos, podendo, a nosso juízo, aplicar-se qualquer que seja o ângulo pelo qual se divise a problemática.

Quanto ao argumento, por alguns manejado, de que uma maior proteção jurídica ao contribuinte ?facilitaria a vida? do sonegador, é de se infirmá-lo por completo. Incumbe ao Fisco, municiado de instrumentos do Direito ? dentro, portanto, da legalidade estrita e do espírito republicano do Estado Democrático de Direito ? dificultá-la, sem que para isso a lei tenha de comprometer a segurança jurídica da empresa e do cidadão. Com efeito, a lei deve primar pelo caráter da generalidade, porém, é mais geral a lei quanto mais se aproximar do todo do que da parte, e, sabe-se que os sonegadores são apenas uma parte pequena da sociedade civil. O sonegador é um criminoso, para ele existem, além do aparato fiscal, a lei tributária-penal, a lei penal-tributária, o Poder Judiciário e as prisões.

Não merece o cidadão de bem pagar o alto preço de renunciar a direitos fundamentais em nome do combate ao comportamento ilícito de uma minoria, senão que na medida do estritamente necessário ? e não é, ao que parece, o caso.

Quanto à tese de a repressão a ilícitos trabalhistas poder ser prejudicada pela emenda em tela, cabe recordar que tal combate incumbe à fiscalização do trabalho (cujas atribuições não são atingidas pelo texto) e ao Ministério Público do Trabalho, absolutamente independentes da atuação da fiscalização tributária e dotadas de autonomia legal para o combate a tais delitos. Lembre-se também do instituto da representação fiscal ? claramente, aplicável, no caso.

?A Emenda pretende incluir, no procedimento de compensação de iniciativa do contribuinte, previsto no art. 74 da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996, as contribuições previdenciárias, expressamente excluídas no art. 24, parágrafo único, do PLC nº 20, de 2006. Aquele procedimento alcança, atualmente, todos os tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal.

Não há motivo, a nosso ver, para que as contribuições previdenciárias, uma vez incluídas no âmbito de arrecadação daquele órgão, fiquem excluídas do procedimento de compensação por declaração. A possibilidade de mistura de receitas fica afastada pelo caput do próprio art. 24 do PLC, bem como pelas normas já aplicadas com sucesso aos tributos administrados pela SRF.

Não é necessário, contudo, como faz a Emenda, deixar explícita a submissão dessas contribuições previdenciárias ao art. 74 da Lei nº 9.430, de 1996. Basta suprimir o parágrafo único do art. 24 do PLC, que veicula a norma de exceção, para que a regra da compensação passe a valer para todos os tributos administrados pela SRFB.

Acolhida na forma de subemenda.?

Comentários ? Preliminarmente, cabe enfatizar que o atual sistema de compensação de créditos tributários na Secretaria da Receita Federal é frágil e altamente vulnerável à fraude. Com efeito, isso se deve, em boa parte devido ao corporativismo reinante na Receita Federal, em virtude do qual os técnicos da Receita Federal (agora, de acordo com o Relatório do Senador Tourinho, analistas-tributários) têm sido gradativamente afastados dessa e de outras atividades, ao custo da eficiência administrativa, de inestimáveis prejuízos ao Erário e danos irreversíveis ao contribuinte. Sabe-se que ultrapassa os R$ 120 bilhões o total de compensações pendentes de análise da Receita.

No mérito, a emenda embute, claramente, um avanço. O controle da destinação das receitas públicas não cabe ao contribuinte, mas, ao contrário, ao Poder Executivo. Incumbe a este, através de lançamentos no sistema SIAFI (no âmbito da União), direcionar corretamente as receitas oriundas e os créditos aplicados em compensações tributárias às suas respectivas contas contábeis.

Além disso, embora formalmente separados, na prática não há distinção entre os recursos do Tesouro e os da Previdência ? o que, por sinal, é de se lamentar profundamente. Basta consultar as contas disponibilizadas no site do Tesouro Nacional na Internet para se constatar que, no bojo da execução financeira, há, sim, completa indistinção entre eles ? o critério supremo adotado, atualmente, pelo Governo, é o da consistência de caixa, com vistas à geração de superávits primários. A aplicação do recurso público é função muito mais do comportamento governamental do que da rubrica segundo a qual o contribuinte recolhe as respectivas receitas aos cofres públicos. Haja vista os casos da CIDE, da CPMF, do PIS e da COFINS, etc.: são tributos cobrados com finalidades específicas, porém delas totalmente descasados, quando do momento de sua destinação.

O que se deve exigir, sim, é a correta alocação dos recursos em função do fundamento apresentado para justificar sua retirada da economia ? algo que deve ser cobrado ao Estado, administrador e aplicador dos recursos públicos, e não ao contribuinte, que é seu fornecedor (e ao mesmo tempo, o que é raramente lembrado, seu destinatário).

Além disso, a melhoria do combate às fraudes, ?custo? que, sem nenhuma justiça, o Estado procura repassar, sempre que possível, ao contribuinte, ao, entre outras posturas deletérias, trabalhar incansavelmente pela cristalização de privilégios de classe dentro da Receita Federal.