Boletim do TRF : Balanço 2003: Câmara gasta R$ 800 mil em viagens

Em meados de outubro, os gastos com viagens ao exterior aumentaram, quando 31 deputados foram autorizados, juntamente com o presidente da Casa, João Paulo Cunha (PT/SP), a participar de reunião na Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU). Só em diárias declaradas, a Câmara gastou com os viajantes US$ 33.580 - R$ 100,4 mil, com o dólar turismo a R$ 2,99. Isso sem contar o valor das passagens na classe econômica, em média de US$ 700 para cada um. Mas nem todos os parlamentares fizeram a prestação de contas de suas viagens.

Com isso as idas e vindas deste ano da Câmara já ultrapassaram em muito os R$ 800 mil.

O presidente da Câmara argumenta que essas viagens para o exterior oferecem aos parlamentares contatos com experiências de outros países, como a forma de funcionamento de outros parlamentos e da ONU, por exemplo. "Essas viagens são importantes e trazem ganhos para o Legislativo", assegura João Paulo sempre que alguém faz qualquer referência a elas.

Desde o início de novembro, há uma determinação para que cada parlamentar que viaja com dinheiro da Câmara, seja para o exterior ou dentro do Brasil, faça uma prestação de contas. As informações são tornadas públicas na internet, na página relativa a missões oficiais, pelo endereço: www.camara.gov.br/internet/contas.

Orçamento prevê mais verba para a Presidência

Aprovado nesta terça-feira (23), último dia de autococonvocação do Congresso, o Orçamento da União para 2004 prevê um aumento de 50% dos recursos destinados à Presidência.

Segundo o relator da matéria, deputado Jorge Bittar (PT/RJ), o aumento é merecido, uma vez que a Presidência passou a ser responsável por novos órgãos, tais como o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social e as secretarias que cuidam da promoção da igualdade racial e dos direitos da mulher.

Já na esplanada dos ministérios, os ministérios da Integração Nacional, Transportes, Desenvolvimento Agrário e Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior foram os que, proporcionalmente, sofreram as maiores perdas de recursos no Orçamento 2004 aprovado pelo Congresso.

O ministério que teve o maior acréscimo de recursos previstos foi o do Planejamento, responsável em elaborar a proposta de orçamento, que passou dos R$ 3,5 bilhões em 2003 para R$ 5,2 bilhões em 2004, 50% a mais.

O governo e as lideranças aliadas no Congresso afirmam que, apesar das quedas nominais do dinheiro destinado para este ou aquele setor, a diferença é que em 2004, afirmam, não haverá necessidade de contingenciamento.

Na reta final para a aprovação do orçamento, o governo liberou R$ 700 milhões a mais para os Estados, como forma de contentar as bancadas e assegurar a aprovação da proposta.

Entrevista ? Everardo Maciel

Nesta sexta-feira (26), o Jornal de Brasília publicou entrevista com o ex-secretário da Receita Federal, Everardo Maciel. Na entrevista, o ex-secretário aborda a guerra fiscal e a recém aprovada Reforma Tributária.

Qual a sua opinião sobre o debate da reforma tributária no Congresso?

Everardo Maciel - Reforma Tributária passou a ser tema recorrente na agenda política brasileira. Nada muito diferente do que ocorre no resto do mundo. Enfim, as políticas tributárias se sujeitam a uma permanente adequação às circunstâncias políticas, sociais e econômicas. O que difere, de país a país, é o grau de adequação a essas circunstâncias. Às vezes são meros ajustes pontuais outras vezes, são mudanças que envolvem uma profunda reestruturação do sistema tributário.

O senhor acha mesmo que a reforma tributária é necessária para o País?

No Brasil, inaugurada a temporada anual de debates sobre a reforma tributária, inicia-se o torneio de irracionalidades. Agitados lobbies proclamam a justeza de suas causas. União, estados e municípios engalfinham-se em arrojada disputa pelos nacos das receitas públicas. Especialistas e neófitos apresentam uma infinidade de fórmulas salvacionistas. Dessa confusão geral resta apenas uma constatação inequívoca: os entes federativos desejam aumentar a arrecadação e os contribuintes querem a redução da carga tributária. Esse é o nó da reforma. O sistema tributário brasileiro requer mudanças. Quanto a isso, não há dúvidas. Não se exige, entretanto, uma reformulação completa. Muito menos por meio de emendas constitucionais.

No seu entendimento, qual deveria ser o foco principal das mudanças?

A legislação brasileira de Imposto de Renda é, hoje, uma referência internacional. Nossa administração tributária, especialmente no que se refere ao uso das novas tecnologias de informação, assumiu uma posição de vanguarda mundial. Contrastam com essas virtudes alguns defeitos cruciais. De forma simplificada, podemos dizer que o sistema tributário brasileiro exibe dois problemas básicos: a qualidade dos tributos e o tamanho da carga tributária.

Mas, então, qual é mesmo o grande nó?

A Constituição de 1988, ao menos na área tributária, foi um desastre. Não conseguiu remover os problemas técnicos da reforma tributária de 1967 e acrescentou outros: transferiu os impostos únicos federais (energia elétrica, combustíveis e lubrificantes, telecomunicações e minerais) para o âmbito estadual aumentou as transferências federais para os estados e municípios, sem a contrapartida de descentralização das políticas públicas permitiu a esdrúxula combinação de alíquotas e bases de cálculos variáveis no ICMS, do que resultou uma explosão de alíquotas efetivas. No Brasil, hoje, temos cerca de 44 alíquotas de ICMS, enquanto nos demais países o número de alíquotas do equivalente IVA varia de 1 a 4 admitiu a existência de um excêntrico Imposto sobre as Grandes Fortunas, etc.

Muita gente afirma que o senhor é o responsável pelo aumento da carga tributária no Brasil. Por que isso?

Por tudo que falei, o que ocorreu verdadeiramente é que a União perdeu receitas, sem que houvesse diminuição de suas responsabilidades fiscais. A resposta a esse desequilíbrio era óbvia: aumento da carga tributária. Esse aumento, contudo, seria direcionado justamente para os tributos não compartilhados com as entidades subnacionais. O Imposto de Renda (IR) e o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) são as fontes de financiamento dos Fundos de Participação dos Estados e dos Municípios (FPE e FPM), de desenvolvimento regional e financiamento das exportações. Pode-se dizer que praticamente a metade da arrecadação desses impostos é transferida para os estados e municípios. Em outras palavras, para dispor, em termos líquidos, de um real, a União tem que cobrar dois reais do contribuinte.

E, para compensar tudo isto, o governo criou um sem-fim de taxas e contribuições. Não é verdade?

As contribuições sociais passaram a ser, portanto, a opção mais econômica e eficiente para aumento da arrecadação federal. Nesse contexto, foram instituídas a Contribuição Social para o Lucro Líquido (CSLL) e os tributos sobre movimentação financeira (antes o IPMF, hoje a CPMF), e aumentadas às bases de cálculo e alíquotas da Cofins e do PIS. Nada mais do que o recurso à única opção efetiva para expansão das receitas públicas federais. Em conseqüência, o equilíbrio fiscal da União foi assegurado às custas da qualidade dos seus tributos, pois ocorreu um desproporcional aumento dos tributos cumulativos. Ainda que não concorde com o emocionado dogmatismo contra a cumulatividade tributária, sou forçado a reconhecer que ela produz algumas distorções na alocação de recursos na economia.

Existem outras distorções? O que fazer pára desatar todo esse nó?

A dependência dos fundos constitucionais da arrecadação do IR e do IPI gera outros problemas. A maior parte dos municípios, especialmente os pequenos, depende de transferências do FPM. Quando, por qualquer motivo, há uma redução na arrecadação desses impostos os pequenos municípios entram em pânico. Por exemplo, à época da restituição do Imposto de Renda das pessoas físicas há evidentemente uma redução na receita líquida desse imposto e, por conseguinte, nas transferências do FPM. As contas municipais entram em turbulência. Recentemente, fomos ameaçados até por uma anedótica greve de prefeituras. Como desatar esse nó? A base de cálculo para as transferências federais para estados e municípios deveria ser a arrecadação do conjunto de impostos e contribuições, e não apenas do IR e do IPI. É claro que o percentual das transferências deveria ser revisto. Não mais a metade do IR e IPI, mas algo como 23% da arrecadação federal de impostos e contribuições, o que seria neutro em termos de partilha de rendas.

O senhor acredita que isso funcionaria bem?

Essa mudança produziria efeitos extraordinários. A CSLL poderia ser simplesmente incorporada ao IRPJ e o PIS à Cofins. Os efeitos da cumulatividade seriam francamente minimizados. Haveria uma estabilidade nas transferências para os estados e municípios. A União poderia, enfim, fazer política tributária. Remanesce o nó da carga tributária. Enfrentá-la requer atenção em dois pontos: evasão fiscal e tamanho do gasto público. Para reduzir os níveis de evasão fiscal, ao menos tem que haver um contínuo aperfeiçoamento da administração tributária e simplificação da legislação. Entretanto, a principal via hoje utilizada para evitar o pagamento de impostos é o recurso às liminares e os embargos na execução da dívida ativa. As legislações infraconstitucionais que dispõem sobre a suspensão da exigibilidade do crédito e sobre a execução fiscal merecem uma profunda revisão. São mudanças que não têm a mesma visibilidade de uma emenda constitucional, porém vão ao âmago da questão.

E o que fazer, então, para se chegar a uma solução duradoura e eqüitativa?

Costumo dizer, metaforicamente, que carga tributária não se faz com tributos, mas com despesas. Desviar o olhar dessa matéria é simplesmente renunciar a qualquer possibilidade de redução do tamanho da carga tributária. É verdade que reestruturar o gasto público não é tema fácil. Nenhuma despesa é órfã. Qualquer movimento para eliminar ou reduzir um gasto público provoca sentimentos hostis e resistências férreas. Devemos, contudo, em algum momento, repensar o federalismo fiscal brasileiro. Tratar das competências concorrentes e das transferências voluntárias, instituir as competências supletivas. Caminhar na direção de um verdadeiro federalismo cooperativo. Como pensar em repartir receitas, sem estabelecer a partilha de encargos? Como diminuir a carga tributária, sem reduzir as despesas? Esses nós já poderiam ter sido desatados. Lamentavelmente, não foram. Creio que é chegada a hora de abandonarmos o frenesi reformista e fincarmos raízes mais sólidas.