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Asfixia Financeira no Combate às Organizações Criminosas: “Follow the money”

O Analista-Tributário, Gustavo de Paula Santos defendeu em artigo o uso de estratégias de inteligência financeira como instrumentos mais eficazes no combate ao crime organizado

7 de novembro de 2025 às 14:43
Atualizado: 20 de novembro de 2025 às 10:59

O Analista-Tributário, Gustavo de Paula Santos, que atua na Equipe da Garantia do Crédito Tributário da Delegacia da Receita Federal no Rio de Janeiro (DRFII EGAR 07) defendeu em artigo o uso de estratégias de inteligência financeira como instrumentos mais eficazes no combate ao crime organizado.

No artigo Asfixia Financeira no Combate às Organizações Criminosas: “Follow the money”, o Analista-Tributário, Gustavo de Paula Santos reforça a importância de abordagens baseadas no bloqueio e confisco de bens, com o objetivo de atingir o ponto mais sensível das estruturas criminosas: o dinheiro que sustenta suas operações.

Asfixia Financeira no Combate às Organizações Criminosas: “Follow the money”

O Poder da Inteligência Financeira na Luta Contra o Crime

O famoso termo “Follow the money” — em português, “siga o dinheiro” — surgiu no contexto do jornalismo investigativo e do combate à corrupção nos Estados Unidos, e se popularizou após o escândalo de Watergate, nos anos 1970. O informante secreto conhecido como “Garganta Profunda” teria dito essa famosa frase para orientar os repórteres do “The Washington Post”, mostrando que a chave para entender o esquema era seguir o rastro do dinheiro — isto é, rastrear pagamentos e doações suspeitas que ligavam o Comitê de Reeleição de Nixon às atividades ilegais. Essa dica levou à descoberta de uma complexa rede de financiamento ilícito e encobrimento político, culminando na renúncia de Nixon em 1974.

Em um cenário em que as organizações criminosas se tornam cada vez mais sofisticadas e transnacionais, as estratégias de inteligência financeira consolidam-se como instrumentos mais eficazes no combate ao crime organizado. A tradicional política de enfrentamento direto, amplamente utilizada ao longo das últimas décadas, já demonstrou suas limitações e ineficácia diante da complexidade dessas redes. Em contrapartida, uma abordagem baseada no bloqueio e confisco de bens busca atingir o ponto mais sensível das estruturas criminosas: o dinheiro que sustenta suas operações.

Entre as diversas críticas à política de enfrentamento armado, a mais consistente é que ela atinge apenas as bases operacionais — facilmente substituíveis — das organizações criminosas, sem alcançar seus verdadeiros líderes. Os chefes do crime, muitas vezes infiltrados em estruturas políticas e no próprio poder público, permanecem intocados e protegidos, atuando como o elo estratégico entre o crime e os grandes negócios. Dessa forma, o confronto direto acaba por alimentar o ciclo de violência, sem atingir as engrenagens financeiras e hierárquicas que sustentam o poder das facções.

Diante dessas limitações, surge a necessidade de uma estratégia mais inteligente e estrutural: a asfixia financeira. Seu objetivo vai além da prisão de indivíduos, mas busca desmantelar a estrutura material e logística das facções, impedindo que o dinheiro ilícito seja reciclado e reinvestido. Trata-se de uma abordagem voltada a minar a sustentabilidade econômica desses grupos, reduzindo sua influência e poder, com um conjunto de ações voltadas a identificar, bloquear e confiscar bens e valores.

As principais ferramentas desse tipo de ação são o rastreamento de ativos, o bloqueio judicial de contas e bens, a quebra de sigilos bancário e fiscal, além da cooperação interinstitucional e internacional para localizar valores transferidos a paraísos fiscais ou movimentados por meio de criptomoedas. A identificação e o desmonte de empresas de fachada e de “laranjas” também desempenham papel crucial no enfraquecimento das redes utilizadas para mascarar e reinvestir lucros ilícitos.

Não existe uma fórmula única para a implementação dessa estratégia, mas alguns passos fundamentais podem ser seguidos. Em primeiro lugar, os governos devem fortalecer o marco jurídico de combate à lavagem de dinheiro e ao financiamento de atividades ilícitas, garantindo instrumentos legais para o congelamento e o confisco de bens — inclusive de forma preventiva, com base em provas financeiras consistentes. Paralelamente, é essencial estruturar instituições e órgãos especializados, como departamentos de investigação patrimonial e varas judiciais com expertise em crimes econômicos, assegurando-lhes recursos adequados e autonomia técnica.

Outro eixo indispensável é o fortalecimento da cooperação interinstitucional e internacional, articulando bancos, órgãos reguladores, forças policiais, Ministério Público, Receita Federal, autoridades estrangeiras e demais entidades estratégicas. A transparência econômica também deve ser ampliada, com registros públicos de beneficiários reais de empresas e imóveis, além de auditorias em contratos públicos. O monitoramento rigoroso de setores de alto risco — como obras públicas, mineração e câmbio — é igualmente essencial para a eficácia de uma política de asfixia financeira duradoura.

Na prática, os resultados dessas estratégias vão além do confisco de bens. Quando as fontes de recursos são cortadas, as facções perdem capacidade de comprar armas, subornar agentes públicos, financiar fugas ou manter a logística do crime. A asfixia financeira, portanto, reduz o poder econômico e simbólico das organizações criminosas, enfraquecendo sua influência sobre territórios e comunidades vulneráveis.

Dentre muitas experiências de sucesso, podemos citar recentemente no Brasil a Operação Carbono Oculto, deflagrada em conjunto pela Receita Federal, COAF, Polícia Federal e outros órgãos, que rapidamente tornou-se um exemplo a ser seguido. Só da Faria Lima chegou-se a pelo menos 40 fundos de investimentos ligados ao PCC, com patrimônio de mais de R$ 30 bilhões, e mostrou que as ramificações do crime organizado vão muito além do tráfico de drogas. Tudo isso sem disparar um único tiro!

Em síntese, enfrentar o crime não se resume à repressão armada ou à prisão de alguns líderes. É preciso neutralizar a engrenagem financeira que sustenta essas organizações, impedindo que o lucro do ilícito se converta em poder.  Em última instância, seguir o dinheiro continua sendo o caminho mais seguro e duradouro para enfraquecer o crime e fortalecer o Estado de Direito.

Gustavo D. Santos

@ruido_bom

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