Os movimentos sociais e o governo Bolsonaro

Antônio Augusto de Queiroz*

Os movimentos sociais, em geral, e o sindical, em particular, atuarão no governo Bolsonaro com base no tripé organização/mobilização, formação político/cívico/cidadã e comunicação, combinando ações propositivas e reativas, de acordo com a agenda e a ação governamental.

O objetivo dos movimentos sociais, independentemente de quem seja o governante, sempre será a defesa da democracia substantiva, do interesse nacional e dos direitos da população em suas 5 gerações (civis, políticos, sociais, difusos-coletivos e bioéticos) e nas 5 dimensões da cidadania (eleitor, contribuinte, usuário de serviço público, consumidor e trabalhador).

A estratégia, portanto, consistirá na defesa e na preservação dos fundamentos e dos objetivos da República, expressos nos artigos 1º e 3º da Constituição Federal, especialmente a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho, o pluralismo político e a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, sem miséria nem preconceito ou discriminação de qualquer natureza.

O pressuposto para tanto é que o orçamento governamental seja destinado ao combate das desigualdades – regionais e de renda – e à adoção de políticas públicas de inclusão, e que os poderes ou monopólios do Estado de impor conduta e punir seu descumprimento (poder coercitivo), de legislar (elaborar leis válidas para todos) e de tributar (cobrar compulsoriamente impostos, taxas e contribuições) sejam exercidos de forma justa e equilibrada.

Os governantes costumam agir em conformidade com sua trajetória política e pessoal. O ex-presidente Lula, embora tenha nascido das lutas sociais, sempre foi um conciliador e por isso pautou seu governo pela negociação política. A ex-presidente Dilma, ex-guerrilheira, mas com perfil tecnocrático, teve postura mais fechada, de menos diálogo e, apesar de em seu governo haver editado o decreto criando a Política Nacional de Participação Social, não demonstrou o mesmo grau de abertura ao diálogo que Lula em suas relações com os movimentos. Jair Bolsonaro, por ter ascendido politicamente pela contestação, pelo conflito e pelo confronto, tende a manter esse padrão no governo, o que certamente provocará enormes embates com os movimentos sociais.

O próprio fato de o presidente eleito associar o ativismo dos movimentos sociais a ideias como “esquerdismo”, “petismo” e “comunismo” será fator de acirramento de ânimos, e isso tende a estrangular e esvaziar ainda mais os instrumentos de participação social como as conferências e os conselhos de políticas públicas que, no governo Temer, já vinham sendo desprezados ou se tornando espaços de questionamento das políticas governamentais.

Além disso, as duas principais agendas do novo governo conflitam frontalmente com as pautas dos movimentos sociais, especialmente na questão dos valores/costumes e no aspecto fiscal, que aprofunda o ajuste via corte de despesas e direitos, em lugar da ampliação dos gastos com saúde, educação, assistência, direitos humanos, cultura e outros, como defendem os movimentos sociais.

Os movimentos, na agenda fiscal, em lugar da redução ou supressão de direitos reais, defendem o enfrentamento de privilégios, das renúncias, isenções, sonegação e também uma reforma tributária que substitua ou reduza a tributação indireta, que incide sobre o consumo, e amplie a tributação direta sobre a renda, o patrimônio, os lucros e dividendos e sobre grandes fortunas e herança.

Já quanto aos costumes e valores, os movimentos sociais querem assegurar o respeito à diversidade, entre outros direitos: 1) à orientação sexual das pessoas; 2) à liberdade reprodutiva e sexual das mulheres; 3) aos direitos dos vulneráveis, especialmente crianças, idosos e excluídos políticos, como os índios e quilombolas; e 4) à liberdade religiosa, de expressão, de organização e de manifestação dos brasileiros, sem o controle do Estado.

Deste modo, se confirmada a agenda governamental e mantido o estilo de enfrentamento do novo governo, os movimentos sociais vão intensificar seus protestos e mobilizações, num movimento simultaneamente de reação e de busca de apoio na sociedade, chamando a atenção desta (sociedade) para eventual agressão às suas pautas e reivindicações histórias, nos termos mencionados nos parágrafos anteriores. A obstrução de canais formais de participação levará a possível onda de manifestações e enfrentamentos por meio de caravanas, mobilizações e outros meios pacíficos já empregados em passado recente, que o governo não hesitará em tentar qualificar como “terrorismo”.

A tática do futuro governo, largamente utilizada na campanha, de dividir as pessoas, interditar o debate e despertar reações e sentimentos de rejeição e até de ódio a quem diverge de suas propostas não irá funcionar. Os movimentos não vão substituir o debate do conteúdo pelos julgamentos morais.

Depois da experiência desde as manifestações de junho de 2013, passando pelo processo de impeachment e até a eleição, os movimentos amadureceram e não serão mais ingênuos para embarcarem em estratégias já conhecidas desde os tempos medievais, na época do Coliseu, que consistiam em oferecer entretenimento à população, como a luta entre os gladiadores, enquanto o governo tocava suas agendas fundamentais sem conhecimento ou participação do grande público.

Como um dos setores organizados da sociedade civil, os movimentos sociais têm clareza da necessidade de unidade, articulação e dispõe de motivação para defender suas pautas e reivindicações, especialmente quando o ataque se dirige não apenas aos conteúdos, mas, também, e principalmente, aos atores que patrocinam tais bandeiras.

Com amparo na sua capacidade de formulação de táticas e estratégias, os movimentos sociais deverão atuar com inteligência e ações coordenadas na perspectiva de concentrar seus esforços e deslocar seus principais quadros para acompanhar os processos decisórios, analisando, fiscalizando e opinando sobre todos os pontos que coloquem em risco os postulados que defendem e os meios que permitem sua constituição e funcionamento.

Portanto, a atuação deverá ser calibrada de acordo com a conjuntura, sem cair na armadilha de deslocar todas as suas forças para disputas no campo ou na arena dominados pelo contendor. Deverá combinar ações de mobilização e institucionais, utilizar as ruas e as redes sociais, bem como buscar aliados na sociedade e no Parlamento, além de denunciar todo e qualquer retrocesso, inclusive eventual tentativa de criminalização dos movimentos sociais.

(*) Jornalista, consultor, analista político, diretor de Documentação do Diap e sócio-diretor da Queiroz Assessoria.