Um festival de dissimulação

Um festival de dissimulação

 Parte 1


Na última terça-feira (28), a entidade representativa dos auditores-fiscais publicou em seu sítio eletrônico um editorial elaborado pela sua direção nacional intitulado “Em defesa do concurso público e do cumprimento da Constituição”. O texto decorre da forte reação negativa manifestada por diversos servidores da Receita Federal, parte deles, inclusive, filiados à mesma entidade, e busca, com argumentos falaciosos, justificar e de certa forma legitimar uma ação desastrada empreendida para reverter merecidas conquistas alcançadas por valoroso conjunto de servidores.


O respeito a esses profissionais, destacado no último parágrafo do editorial, vem de muitas partes, mas definitivamente a entidade dos auditores-fiscais não pertence a esse grupo. A cínica afirmação de que “os ocupantes do cargo em questão recebem todo o respeito a eles devido pelo serviço prestado ao Estado brasileiro” é parte do seu clássico e falacioso discurso de fachada que visa transmitir a imagem de “entidade do bem”, que age “em defesa do interesse público e dos princípios constitucionais”. Da mesma forma, a representação ao Ministério Público Federal que resultou na ADI 4616 é mais uma peça reveladora do clássico modus operandi dessa entidade. Para ilustrar, cabe rememorar alguns fatos passados: em 1995, essa mesma entidade trabalhou fortemente para reverter o devido pagamento da RAV 8X (sobre o maior vencimento básico da tabela do cargo) aos então Técnicos do Tesouro Nacional, o que ocasionou enorme prejuízo a milhares de servidores; em 2005, na tentativa de desqualificar os hoje Analistas-Tributários, essa entidade elaborou e publicou documento intitulado “Desmistificando as pretensões dos Técnicos da Receita Federal”, cujo teor lançava fortes ofensas atentatórias ao valor profissional desses servidores.


A leitura do item 29 de uma das representações anexadas à ADI faz desmoronar qualquer tentativa de negar a maldade do ato. Segue transcrição do ato:


“29. Impende observar, por fim, que cabe o seguinte pedido liminar, caso seja impetrada a ADI: Que os ocupantes do cargo de Técnico da Receita Federal (TRF) de que trata a MP 1915/99 e a Lei 11.457/07, não usem a denominação de Analistas Tributários da RFB e que sejam pagos como base em tabela remuneratória de nível médio, citada no anexo 2, referente ao cargo de Técnico e Finanças e Controle da STNM (congênere do cargo de TRF), sendo a diferença em relação a remuneração atual paga a título de vantagem pecuniária pessoal aos servidores em tela até julgamento de mérito pelo STF.”


A entidade que se apresenta à sociedade como defensora da Constituição adota em sua própria Casa postura antirrepublicana, segregacionista e patrimonialista. Um dos termos utilizados no referido editorial, já utilizados em diversas outras oportunidades, acusam tal postura: usurpação de atribuições. As atribuições do Órgão são por eles tratadas como patrimônio do cargo, e não como um instrumento do Estado para o alcance do bem comum. Se a referida entidade estivesse de fato alinhada com o interesse público, certamente estaria buscando a concentração de sua força de trabalho em atividades de elevada complexidade e abandonando a truculenta postura de manutenção de rol tão extensivo de atribuições no campo privativo do seu cargo. Tal busca não teria outro efeito que não fosse o de valorizar o seu corpo funcional, ao invés de o aproximar dos demais.


No editorial de amanhã, o Sindireceita abordará cada um dos pontos expostos pela outra entidade como motivadores da representação ao Ministério Público Federal. No entanto, cabe adiantar que todo esse episódio só reforça a necessidade de denunciar ao governo e à sociedade que o argumento da legítima reação às atitudes do Sindireceita é pura falácia. Na verdade, o que está por trás de mais essa medida desastrada que acabará se voltando contra os próprios autores é a tentativa de vender um status de cargo autoridade e de equivalência ao patamar de cargos como o de Procurador da República e de juiz por meio do aviltamento e desqualificação do cargo de Analista-Tributário. É a tentativa de convencer que todas as atribuições finalísticas do Órgão são exercidas por um único cargo e que os demais não passam de meros auxiliares. É a tentativa de fazer passar o seu projeto de Lei Orgânica.


O Sindireceita nunca trabalhou contra pleitos de outras categorias ou para prejudicá-las. Esta entidade sempre se pautou pela legítima busca da valorização do seu corpo funcional sem envolver qualquer investida contra outro grupo. O Sindicato está convencido que o Judiciário dará uma excelente resposta aos pedidos contidos na famigerada Representação, assim como o fez quando do episódio do uso dos crachás nas instalações do Ministério da Fazenda. Na época, a manifestação do julgador não poderia ser mais apropriada ao afirmar que os representados pelo impetrante são servidores públicos como quaisquer outros, mais importantes que uns e menos importantes que outros.


A entidade aposta e trabalha para que, ao final de tudo isso, o cargo de nível superior de Analista-Tributário, pertencente à Carreira de Auditoria da Receita Federal do Brasil, saia ainda mais fortalecido, com o Governo, o Judiciário, o Legislativo e a sociedade ainda mais convencidos quanto ao elevado valor e capacidade profissional dos que o integram.


 


Parte 2


Em editorial publicado na última terça-feira (28), a direção nacional da entidade dos auditores-fiscais apresenta alguns fatos que, segundo ela, teriam motivado a representação junto ao Ministério Público Federal que resultou na ADI 4616. Quase todos os fatos apresentados consistem em atitudes tomadas pelo Sindireceita nos últimos anos. Seguem os fatos, acompanhados dos devidos esclarecimentos:


 


- Campanha Salarial


Desde as primeiras reuniões entre entidades do Fisco Federal com o propósito de definir a campanha salarial conjunta no ano de 2007 a Diretoria Executiva Nacional do Sindireceita vinha defendendo e buscando uma proposta de consenso. Com esse espírito, construiu-se a proposta de equiparação à tabela remuneratória da Carreira de Policial Federal, tabela que, apesar de não restabelecer o patamar alcançado em 1995 (RAV 8X), era considerado razoável pela categoria. O pleito tinha a concordância de quase todas as entidades que participavam dos encontros, com exceção da entidade dos auditores-fiscais. Assim como ocorreu em 2003 e 2004, essa entidade mostrou-se favorável no início, mas mudou de posição e passou a manifestar-se contra a equiparação dos Analistas-Tributários à remuneração do cargo de Agente da Polícia Federal, por implicar em reajuste diferenciado para o cargo de Analista.


Somado a isso, a referida entidade chegou ao ponto de defender a implantação do subsídio apenas para o cargo de Auditor-Fiscal. Em reação a essa postura, típica de patrão que busca limitar o reajuste de seus empregados e, portanto, inaceitável, o Sindireceita passou a reivindicar o apartamento das mesas de negociação. Felizmente, o pedido foi acatado pela Secretaria de Recursos Humanos do MPOG.


 


- Movimento Paredista


O Sindireceita, ciente do seu papel de representante da classe trabalhadora, nunca atuou para sabotar movimento paredista de outras categorias. Em relação à greve dos Auditores-Fiscais daquela época, o Sindicato e a categoria repudiaram e reagiram à postura da sua representação sindical, que, em reuniões com o Governo para tratar da greve, reivindicavam a não concessão de qualquer índice de reajuste diferenciado para o cargo de Analista-Tributário.


 


- Sindicato da Carreira


Apesar das divergências e dos conflitos hoje existentes entre muitos Analistas-Tributários e Auditores-Fiscais, o Sindireceita ainda nutre o sonho da existência de um único sindicato que represente os dois cargos da carreira de Auditoria. Ao ampliar a base de representação para toda a Carreira, o Sindireceita pretendia filiar Auditores-Fiscais que discordam da postura adotada há anos pela sua entidade e que defendem uma luta conjunta, munida de pauta que traga benefícios para ambos os cargos. São os Auditores-Fiscais que discordam da política de manutenção de rol tão vasto de atribuições privativas para o seu cargo (o que acaba por desvalorizá-lo) e que defendem a concentração da sua força de trabalho em atividades de maior nível de complexidade. Foi com esse espírito que a Assembléia Geral Nacional ocorrida no final de 2009, em Joinville/SC, aprovou a referida mudança no estatuto do Sindicato.


 


- Controle Externo


Aproveitando-se do pouco conhecimento e da visão preconceituosa que muitos têm sobre determinados temas, a entidade dos auditores-fiscais tem o hábito de tentar manipular a opinião pública e, com isso, fazer prevalecer o seu fundamentalismo retrógrado que não beneficia ninguém, nem a sua própria categoria, servindo apenas para manter determinadas facções sindicais no poder.


Controle externo não é sinônimo de intervencionismo ou de perda de autonomia. A proposta de criação de um órgão de controle externo para a Receita Federal do Brasil, que foi e continua sendo defendida pelo Sindireceita, tem como um dos seus objetivos justamente zelar pela autonomia do Órgão. O Conselho proposto teria a prerrogativa de acompanhar de perto o desempenho da Receita Federal, o que lhe daria condições de alertar o governo e a sociedade sobre a adoção de qualquer medida no sentido de retirar autonomia ou interferir politicamente no seu funcionamento. Tal acompanhamento propiciaria também o acesso amplo aos índices de desempenho da RFB e à proposição de melhores práticas administrativas por colegiado composto também por representantes de órgãos distintos de governo e da sociedade civil. Dessa forma, passaria a estabelecer um contraponto à imposição de práticas essencialmente corporativistas que visam apenas beneficiar um cargo.


Outro objetivo do conselho proposto é o de dar maior transparência a órgão tão estratégico para o País. Muitos destacam a relevância de uma reforma na legislação tributária, mas poucos abordam a questão do desempenho das administrações tributárias e sua potencial contribuição para o desenvolvimento nacional. O conselho proposto viria para suprir esse vazio.


A oposição da entidade dos auditores-fiscais à ideia certamente decorre do temor de ver debelado o corporativismo nocivo que reina no Órgão. Para evitá-la, tal entidade reiteradamente a coloca como algo pernicioso para a Instituição. O mesmo expediente é utilizado para evitar a adoção de um código de relacionamento fisco-contribuinte prevendo obrigações da RFB para com o contribuinte. A referida entidade maldosamente rotula qualquer iniciativa nesse sentido como código de defesa do sonegador. A imposição de obrigações que acabe por exigir mais eficiência por parte da Instituição, o que poderia implicar em redefinições nas atribuições dos seus cargos, não é bem vista por essa entidade.


O Sindireceita defende de modo contundente a criação de órgão de controle externo que venha a zelar por maior transparência e autonomia para a RFB. Em períodos de exposição negativa do Órgão, cabe não só a defesa dos seus pontos positivos, mas a reivindicação por mudanças naquilo que não vem funcionando bem. A defesa cega e irrestrita, como se tudo funcionasse perfeitamente, não é positiva para a Instituição.


No episódio da quebra do sigilo fiscal do vice-presidente do PSDB, ocorrida em 2010, o Sindireceita nunca deixou de destacar as qualidades da Instituição, como a qualidade e a integridade do seu corpo funcional. As críticas e as propostas apresentadas, dentre elas a de controle externo, visam aprimorá-la e fortalecê-la. Afirmar que qualquer modelo de controle externo implica em enfraquecimento da RFB é, no mínimo, leviano.


O triunfo do Sindireceita na ADI 4616 não implicará no engessamento das atribuições do cargo de Analista-Tributário dispostas em lei, como vislumbra e deseja a entidade dos auditores-fiscais. A afirmação de que reestruturações em cargos e carreiras que venham a modernizá-los e a melhor adequá-los ao perfil dos seus integrantes, em favor da Instituição, configuram transformação, não podendo, por isso, ser feita a transposição dos seus ocupantes, é o mesmo que defender uma gestão de recursos humanos estagnada, é contribuir para a incapacidade da administração pública em responder a novos desafios e ao crescimento das demandas.


O Poder Judiciário certamente dará uma boa resposta àqueles que, disfarçados de defensores do concurso público e da Constituição, buscam, de fato, a supremacia de um cargo por meio do aviltamento dos demais, atentando, desse modo, contra uma administração pública moderna e eficiente. Ao contrário do que pretende a “entidade do atraso”, a derrubada da ADI terá como principal efeito o fortalecimento da categoria na sua legítima luta por reconhecimento e valorização profissional.